domingo, 31 de janeiro de 2021

Ave Maria versão gnóstica - a Virgem de Luz.

 Ave Maria revisitada:



Em alguns de meus vídeos, como esse sobre a 2ª Hipóstase (Barbelo) na Cosmogonia gnóstica https://youtu.be/IACYPApyGOk eu apresento como alguns textos gnósticos (apócrifos de Nag Hammadi) descrevem a Díada, esse segundo princípio, como um "Utero Universal" um "Espirito Virgem" uma "Mãe Eterna". Ela é a Imagem do Pai, a Imagem do Uno, do Inefável. Ela contém em si todas as coisas, e é dela que surge o raio de luz que chamamos Christos (não confundir com o homem Jesus).
Christos é a luz que vem ao mundo e permeia toda a manifestação com essa "Luz da Pronoia, sua mãe". Em outra obra gnóstica, Pistis Sophia, há a imagem da Virgem de Luz, relacionada com a entrada nos Mistérios Maiores, e com a Sophia em seu estado de Sabedoria Plena.
Eu tenho o maior respeito pela figura de Maria, mãe de Jesus, e não tenho dúvidas que foi uma mulher santa e dedicada à busca da Luz e da Sabedoria -- Mas como deixo claro em meus vídeos, penso que temos que deixar de confundir Jesus, o Mestre, com Cristo, o princípio Metafísico da Cosmogonia Gnóstica. Eles se relacionam, mas não são a mesma coisa.
Portanto a "virgem" que dá luz ao "cristo" que falamos, não é a Mãe física do grande instrutor Jesus, mas a Virgem de Luz gnóstica, e o Cristo "cósmico".
Assim, ao ser apresentada a uma versão de Ave Maria reescrita pelo autor gnóstico Stephan Hoeller (agradeço ao amigo Vinicius), eu fiquei tentada a fazer minha versão também, e adaptei a versão de Hoeller como achei mais coerente ao meu ponto de vista.
Deixando claro que é apenas uma brincadeira que decidi partilhar aqui a titulo de curiosidade. O que acham?

"Ave Pronoia cheia de luz, O Cristo é convosco,
Bendita sois vós dentre todos os aeons,
E bendito é o libertador da vossa luz, Cristo-Logos.
Santa Barbelo, Mãe de todos as Luzes
Rogai à Epinoia da Luz que habita em nós
Agora e Sempre Amém"


Alaya Dullius
Acompanhem as playlists do meu canal para mais temas relacionados ao cristianismo gnóstico https://www.youtube.com/c/VivekaAlaya/playlists

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Ler é um ato de profunda intimidade.

Se permita ter momentos solitários de leitura.

Uma das coisas que mais me atrai nos livros e na leitura é aquele momento de profunda intimidade em que você está mergulhado no conteúdo do texto e de alguma forma parece se conectar com aquele fluxo de pensamento. O cheiro do livro, a forma como as palavras vão se delineando... Você sente os contornos da almofada onde senta, e todo o resto do mundo se fecha num baile de ideias, como se o livro falasse contigo.


É um momento onde o ambiente externo some e há um grande silêncio povoando a sua alma; as palavras do autor jorram na mente como um poema que vai tomando uma forma sutil no pensamento. A mente se ilumina por um breve momento.

Ler um bom livro é um momento único, e são nesses momentos que a compreensão pode transcender a mente concreta e alçar voos mais abstratos, regados por uma dose de intuição e conexão cardíaca com o tema ou autor.

Quando a gente lê apenas com o cérebro esses momentos não acontecem. Quando lemos num estudo em grupo ou simplesmente fazemos uma leitura coletiva em algum encontro virtual ou presencial, usamos apenas o aparato racional do cérebro, e dificilmente a compreensão toca a intuição-coração. Gosto de estudos em grupo para partilharmos reflexões, mas nunca para tomar o primeiro contato com um texto.

Tenho para mim que estudar uma obra exige um momento de intimidade, uma conexão com Eros; é necessária certa introversão, para que a mente toque patamares metafísicos e desvele as verdades interiores que foram sufocadas pelo esquecimento.

Quando passo muito tempo lendo em grupos ou ouvindo leituras, sinto saudades dos momentos solitários. Os livros sempre foram meus melhores amigos, em todos os momentos, são os livros que entendem, que respondem, que acolhem, confortam, que libertam e ensinam.

Nunca abandone seus próprios momentos criativos de leitura e intuição. Não troque a dedicação pessoal no seu próprio ritmo e aprofundamento por estudos em grupo ou leituras coletivas ou o mero ouvir alguém explicando.

Complemente seus momentos de dedicação solitária com estudos em grupo, ouça as reflexões de outros, as explicações, debata, tire dúvidas – mas mergulhe nos livros também, explore as profundezas da mente, e deixe a alma voar. E então quando encontrar aquele livro que te abraça, mergulhe em meditação.

Alaya Dullius (Janeiro 2021)

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Lançamento do livro A GNOSIS DE JOÃO - Coautoria de Alaya Dullius

 Que a Luz do Logos ilumine vossas Mentes!


João, o discípulo amado, o essênio, o gnóstico.

Hoje, 12 de janeiro de 2021, o livro que sou coautora, junto com Alberto Brum, foi lançado! Sinto-me muito contente!
Este é o terceiro livro publicado pela recente Editora Garbha-Lux! Para mim é meu primeiro. João, meu Evangelho favorito, meu Apócrifo favorito.
Eu tinha apenas 18 anos a primeira vez que o traduzi, tradução simples, para um estudo e leitura em um grupo. Na faculdade, no trabalho de graduação, outra tradução gnóstica, outro apócrifo. No Mestrado, mais trabalho com João. Algo em mim me levava a seguir um caminho em conexão com os gnósticos.
No meu pescoço, hoje, enquanto escrevo, está a cruz que eu coloquei em 2003, quando estava na Escócia -- A Cruz de São João, uma réplica em prata da cruz que está na Ilha de Iona, ou seja, Jonas.. João, a Ilha de São Columba, o druida cristão.
Desde então quase 20 anos se passaram, e aqui estou publicando João, comentando João! Agradeço.
Sou apenas uma na complexa engrenagem de produzir e publicar um livro. Nos livros da Editora Garbha-Lux há o trabalho duro de pessoas que nunca haviam imaginando que estariam publicando obras em conjunto, decidindo catálogo, revisando, e revisando, e revisando. Traduzindo, escrevendo, acertando site, contrato com os correios, gráfica, diagramação, capa, divulgação, e muito estudo.
Tudo feito com amor verdadeiro pela causa que tanto acreditamos -- a da preservação da linhagem de ensinamentos valiosos que precisam ser mantidos, aquecidos nos corações e divulgados.
Ensinamentos que precisam ser resguardados, e tornados acessíveis ao mesmo tempo, de forma que possam tocar as almas e fornecer uma base inspiradora e segura.
O serviço de traduzir e comentar um de meus textos favoritos me rendeu muito trabalho, mas também muita alegria! Espero que apreciem um pouco da sabedoria gnóstica de João, e que lhes toque a alma!
Cada livro que nasce é uma semente de luz plantada por uma equipe! Cada um de nós é as vezes a terra, as vezes o arado, o regador, a água ou o adubo para a semente. Que cresça frondosa essa árvore no nosso Pomar das Luzes!
Alaya Dullius

Editora Garbha-Lux
Adquira o seu exemplar pelo site www.garbhalux.org.br



Dicas de Livros sobre Gnosticismo / Evangelhos Gnósticos em Português

Quem busca sobre a tradição gnóstica em português muitas vezes se depara com inumeras obras de autores de qualidade extremamente duvidosa e questionável se dizendo como "gnósticos". Porém não deve o buscador confundir a Gnosis de Jesus, e o gnosticismo dos séculos 1 a.C até 4 d.C (sethianos, valentinianos, Nag Hammadi, etc) com deturpações modernas.

No intuito de facilitar para quem não lê em inglês, criei essa lista de obras em português cuja qualidade gnóstica é mais confiável, assim não perde-se tempo tentando filtrar.

Algumas dessas obras são mais acessíveis à leitura, outras são de qualidade acadêmica, outras são apenas traduções. De toda forma, para aquele que busca a Gnosis e quer conhece-la em suas origens, deixo minha lista.

             ------- Aproveite também para acompanhar meu trabalho no YouTube, com playlists dedicadas ao estudo do gnosticismo https://www.youtube.com/c/VivekaAlaya/playlists


Livros Indicados sobre Gnosticismo e Evangelhos Apócrifos - Gnosis Cristã.


1. Os Evangelhos Gnósticos – Elaine Pagels – Ed. Objetiva/ Cultrix

- Uma das melhores introduções a temática!





2 - A GNOSIS DE JOÃO - O Apócrifo, o Hino e a Cruz de Luz - Alberto Brum e Alaya Dullius - Ed. Garbha-Lux (www.garbhalux.org.br)
    
- Não é por que sou a coautora não, mas esse livro está muito bom! Além de conter traduções de apócrifos, com introduções bem contextualizadas e comentários aprofundando, também possui um estudo que relaciona a gnosis de João com o essênios. Pode ser comprado no site acima!



3. Gnosticismo – Stephan Hoeller – Ed. Nova Era

- Introdução leve ao tema, Hoeller debate temáticas gerais que aparecem nos apócrifos gnósticos.



4 - Mistérios Gnósticos. As Novas Descobertas. (autor: M. Meyer) - Ed. Pensamento
- Livro de introdução geral, muito bem explicado por Marvin Meyer, um dos maiores pesquisadores do tema na atualidade.


5. A gnosis viva do Cristianismo Primivito – G. R. S. Mead (Se acharem usado, está esgotado. Talvez a editora Garbha-Lux faça uma reedição aumentada e melhorada no futuro)

6 - As Escrituras Gnósticas – Bentley Layton - Ed. Loyola
- Contém alguns dos apócrifos gnósticos em uma tradução razoável, algumas introduções e trechos da patrística sobre os gnósticos.


7 - A Biblioteca de Nag Hammadi - James Robinson - Ed. Madras.
Contém os apócrifos de Nag Hammadi traduzidos, porém é uma tradução ruim. Carece de contextualização e comentários.



8. Jung e os Evangelhos Perdidos – Stephan Hoeller – Ed. Cultrix
- outro bom livro de Hoeller, relaciona Jung com os evangelhos gnósticos.



9 - A Gnose de Jung e os Sete Sermões aos Mortos – Stephan Hoeller – Ed. Cultrix



10. Pistis Sophia – Trad. Raul Branco – Editora Teosófica
- A melhor tradução em português dessa importante obra. Tomem muito cuidado com traduções extremamente duvidosas que circulam por ai (ligadas a uma seita danosa). Em português recomendo apenas esta ou aquela de capa branca ligada à Rosacruz Aurea.



11. Os Evangelhos Gnósticos – Márcia Maia – Ed. Mercuryo



12. Adão, Eva e a Serpente - Elaine Pagels – Ed. Rocco



13. Além de Toda Crença - o Evangelho Desconhecido de Tomé. – Elaine Pagels – Ed. Objetiva



14. Os Evangelhos Apócrifos – Luigi Moraldi – Ed. Paulus


15. O EVANGELHO DE MARIA – Jean Yves Leloup (trad.) –Vozes.



16. ÍSIS SEM VÉU, vol. III - H.P.Blavatsky - Pensamento,1991.
- Nesse volume Helena Blavatsky (pré descobertas de Nag Hammadi) discute a questão das heresias, as origens da Igreja, a inquisição, os nazarenos e essênios, fala dos sistemas gnósticos ligados a Simão o Mago, comenta sobre Paulo e lança ao debate diversos pontos interessantes sobre as origens do cristianismo primitivo, com grandes elogios aos grupos gnósticos.



17. EVANGELHO DE TOMÉ - Existem várias edições em português. Recomendamos algumas.

O EVANGELHO DE TOMÉ - Marvin Meyer & Harold Bloom - Imago, 1993

NAG HAMMADI, O Evangelho de Tomé - Kuntzmann/Dubois - Paulinas,1990.

O Evangelho de Tomé - Jean Yves LeLoup - Vozes.




18. BARDESANES E OS HINOS DE TOMÉ - O Filósofo-Gnóstico de Edessa e as Canções dos Atos de Tomé. - Editora Garbha-Lux

Em Edessa, capital do reino de Osrhoene (hoje a cidade Sanliurfa, no sudoeste da Turquia), o gnosticismo de Tomé e Bardesanes esteve presente em uma escola que deu origem à tradição do profeta Mani.

Este livro é o resultado de estudos realizados por longos anos e apresenta o filósofo estoico e o gnóstico “herético” Bardesanes (séc. II e III d.C.) e sua relação com a gnosis de Tomé, Hermógenes e Axionicus. Também mostra o vínculo dele com as Odes de Salomão, a astronomia estoica e babilônica e o santuário da deusa Atargatis (Hierápolis).

Bardesanes foi ligado à tradição filosófica cristã (Taciano e Clemente de Alexandria), ao platonismo, ao estoicismo e ao gnosticismo ophita da escola de Valentino. Editou hinos gnósticos presentes nos Atos de Tomé, e o Livro das Leis das Nações dá uma visão da sua filosofia.

Após um extenso e original estudo sobre Bardesanes, o livro inclui a tradução e comentários de G.R.S. Mead ao Hino da Veste de Glória e à Canção Nupcial da Sabedoria.





19. GNOSIS E APOKALYPSIS DE TIAGO - Editora Garbha-Lux https://www.garbhalux.org.br/produto/gnosis-e-apokalypsis-de-tiago/

O nazareno Yacob, o filho de José (Jeoshua) e discípulo de Jesus, é o foco desta reflexão-pesquisa, que se associa aos livros A Gnosis de João e Bardesanes e os Hinos de Tomé. A Gnosis (Sabedoria) e os Apokalypsis (Revelação) são o centro da abordagem.

Este estudo apresenta o Tiago gnóstico que está presente nos textos encontrados na Biblioteca de Nag Hammadi no Egito (1945) – o Apócrifo e os dois Apocalipses. Inclui a relação da Epístola com a filosofia estoica, com a Torah e a presença de um tom ebionita (a ênfase na pobreza espiritual).

É enfatizado o elo de Tiago com Cerinto, um nazareno judeu-cristão que influenciou os primitivos ebionitas. Há destaque ao Livro de Elxai (usado pelos mandeanos) e aos nazareno-ebionitas, incluindo as ideias do inglês G.R.S. Mead sobre Cerinto, e aos cristãos nazarenos-ebionitas.

O livro inclui a introdução, tradução e comentários ao Apócrifo e os Apocalipses de Tiago, uma análise do Protoevangelho de Tiago e um exame da tradição dos apocalipses (judaicos, entre os essênios de Qumran e no gnosticismo).




20 - EVANGELHO DE FELIPE -  Jean-Yves Leloup - Editora Vozes 2006




21 - JUNG E A SOFIA - Ivan Correa - Appris editora



22 - EVANGELHOS APÓCRIFOS - Gregos e Latinos - Tradução Frederico Lourenço - Companhia das Letras - (contém o Evangelho de Maria inteiro - é curto. Quanto aos outros traduzidos, não são da lista de apócrifos gnósticos, são evangelhos extracanônicos e pseudoepígrafos, mas não é uma publicação que trouxe conteúdos gnósticos.)


23 - O DEUS EXILADO - Marilia Fiorillo - Ed Civilização Brasileira, 2008





NO FUTURO teremos novidades na linha do estudo gnóstico pela Editora Garbha-Lux, alguns novos livros já estão em produção.





quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

"Se não leu no original não vale" - A desvalorização dos tradutores no academicismo.

 “Sem ler no original seu pensamento não tem valor”

Por Alaya Dullius, com colaboração de Bruno Carlucci


Não é nenhum segredo meu desgosto com algumas questões do mundo acadêmico. Certamente sou grata aos colegas e professores que me acolheram em minha curta jornada de um mestrado em Filosofia Antiga. Também reconheço os trabalhos muito bem pesquisados e fundamentados que aprofundam diversos assuntos interessantes para mim, e dos quais me benefício enormemente.

Desconsiderando minhas costumazes críticas quanto a reciclagem de assuntos apenas para atingir pontuações de publicações, a falta de envolvimento com o assunto ao qual se dedica, escolhendo o tema de pesquisa apenas por conveniência ou busca de fama. Ou o fato de alguém se dedicar a estudar algo não com o intuito de aprofundar uma pesquisa -- mas de se apropriar do tema para se tornar autoridade nele mesmo que desgoste e discorde do tema em si, inclusive trazendo o tema por um viés que, para quem o aprecia, parece ridículo. E claro, as constantes disputas de ego, debates pomposos, discussões enfadonhas, uso de vocabulário pedante propositalmente e os enfoques absolutamente enviesados que desconsideram características de algum filosofo simplesmente por que não lhes apraz ou não cabe em seus pré-conceitos... enfim, desconsiderando vários dos problemas do academicismo vazio, há uma questão que sempre me alfineta...

O tal de “ler no original”.



Ler no original é melhor? Sem dúvida! Claro!

Mas antes de ser mestre em filosofia eu sou tradutora por formação, e cansei de ver descaso com o trabalho dos tradutores.

Cansei de ver gente ser desdenhada como se o simples fato de não ter lido no original tornasse necessariamente a compreensão da pessoa sobre o tema equivocada. “Ah você já leu todos os livros de fulano de tal? Mas não leu no francês, então não compreendeu, logo sua opinião não vale”.

Como tradutora eu sei que cada língua carrega um mundo. “Os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem”, algo assim, diria Wittgenstein. Como tradutora eu sei que palavras possuem nuances únicas que nem sempre são facilmente traduzíveis. Como tradutora acho inclusive importante, no que tange algumas temáticas da filosofia pelo menos, que no mínimo se conheça a terminologia técnica na língua original, para captar bem o sentido do que está sendo dito.

Mas como tradutora eu também valorizo o trabalho dos tradutores. Não são todos traidores. Eu participei de muitas aulas de estudos linguísticos, teoria da tradução, Saussure, Derrida, Chomsky, Rosemary Arrojo, Nida. Eu debati muito sobre a tradução de “textos sensíveis”, “linguagem poética”, “terminologia técnica”. E eu aprendi que a tradução muitas vezes é sim possível, especialmente quando o tradutor tem conhecimento da área que traduz.

Conhecer a língua fonte é útil e importante, não estou negando isso. Mas conhecer o assunto, em suas nuances, interpretações, autores periféricos, autores correlatos, dominar o tema, é muito mais importante!

Não adianta nada dominar uma língua se não há boa vontade para investigar o tema. Ler no original não é selo de “melhor compreensão”. Facilita a compreensão, mas não garante!

Até poderíamos dizer que talvez ler Lao Tzu, com traduções que vem do chinês antigo ao português, seja mais complicado. Talvez seja mais complexo conseguir uma reta compreensão do Kata Upanishad traduzido do sânscrito ao português, ou entender um sutra tibetano sem se perder no estilo de linguajar tão diferente deles.

Contudo falta a muitos acadêmicos o traquejo dos tradutores, parece que consideram as línguas um simples sistema rígido de decodificação. Se apegam à forma da fonte e terminam por traduzir textos que na língua meta ficam ininteligíveis. Parece que muitas vezes é mais um exercício de filologia do que de tradução. E diria Plotino que nem todo filólogo é filósofo.

Um bom tradutor conhece mais do que a língua, ele conhece o assunto!

Mas zombar de alguém por que leu em inglês e não em francês, ou preferiu o italiano ao original em inglês... quando o autor é nativo (no tempo e espaço) dessas línguas modernas... ai é demais!

Antes de tudo sou formada em tradução, enxergo a língua como algo vivo, maleável, volátil. Estudei um pouco de latim, grego, francês, alemão, espanhol. Mas cansei de ser diminuída por ouvir que “se você não ler fulano no original em francês não vale”. Cansativo! Bons tradutores existem! – E ao invés de tentar aprender em alguns meses uma língua nova, “gasto” esses meses e leio traduções, me aprofundo mais ainda no assunto!

Acho lamentável que se critique o trabalho de alguém por que em alguma citação o autor fez uso de uma tradução indireta de uma obra clássica. – “Não pode citar Homero sem ser no grego, não pode citar Platão sem ser no grego! Lamentável que você tenha usado uma tradução indireta de Proclo” – Haja paciência.

Novamente, não é o domínio da língua que garante a compreensão. Não desmereço o trabalho de nenhum colega acadêmico só por que ele lançou mão de uma citação traduzida!

Conheço muitas pessoas que sabem ler tibetano, e acham que com um pouco de estudo em budismo se tornam tradutores proficientes. Como se bastasse ser um codificador ambulante. Conheço também pessoas que possuem décadas de estudo em budismo, em todas as suas nuances e abrangências filosóficas, e mesmo sem dominar o tibetano compreendem na terminologia traduzida onde o tradutor “especialista” falhou, pois dominam o tema como ninguém e sabem exatamente o que tal palavra quer dizer naquele contexto.

Recentemente fiz uma tradução crítica (e indireta) de um apócrifo gnóstico – O Apócrifo de João (Publicada no livro “A Gnosis de João”, editora Garbha-Lux) – me baseando em quatro traduções em inglês de especialistas renomados da área que verteram o texto do copta ao inglês. Além dessas quatro versões cotejei com uma quinta, em espanhol. Estudo o assunto a cerca de vinte anos, conheço todos os textos correlatos da mesma descoberta arqueológica, do mesmo contexto. Sei exatamente do que o texto está tratando. Quando tive dúvidas terminológicas consultei os termos técnicos em grego, os dicionários gregos e especialistas. Sei que os cinco tradutores nos quais me baseei para fazer a minha tradução indireta são extremamente capazes tanto no copta quanto no assunto, e por isso posso confiar no trabalho deles. 

Sim, admito a importância de eu mesma aprender o copta. E já estou com meu “Aprenda copta em 20 lições aqui do meu lado” -- será um esforço para o futuro. Mas meu ponto é, ser uma tradução não torna algo sem valor! Saber a língua original não torna a compreensão necessariamente melhor!

E há ainda outra questão a ser colocada! O elitismo de publicar livros onde as citações são colocadas apenas na língua original! Ficam os acadêmicos em seus pomposos castelos de areia debatendo o quão sapientes são; mas suas pesquisas não se tornam acessíveis ao público que se interessa pelo tema! Quantas vezes vi livros publicados, com temas de interesse geral (e não apenas pesquisa de nicho acadêmico), onde o texto em português é recheado de citações em alemão, italiano, francês. Ou, no caso da filosofia antiga, o uso dos termos em grego não é sequer transliterado, as palavras são mantidas no alfabeto grego, sem nem uma nota de rodapé, como se todo leitor tivesse a obrigação de conhecer esta língua! Será que percebem a arrogância desse tipo de ação?

Tradutores são agentes importantes em nosso mundo. Aprofundar a compreensão filosófica e intuitiva é mais importante que aprender códigos. O “Logos” da alma não tem língua. No âmbito da compreensão profunda, é possível ir além do mero domínio lexical.