sábado, 29 de fevereiro de 2020

A Gnosis da Mente

A Gnosis da Mente

Alberto Brum de Souza

Os filósofos herméticos, os discípulos de Hermes Trismegisto, falam da antiga fé egípcia como sendo a religião da mente, que é, ao mesmo tempo, a pura Filosofia e a verdadeira Ciência.

Blavatsky com G.R.S.MeadEste tema é desenvolvido por G.R.S. Mead, o último secretário pes­soal de H.P. Blavatsky e um brilhante pesquisador, no seu livro The Gnosis of the Mind, que foi o primeiro volume de uma série chamada 'Echoes from the Gnosis' e do qual destaco alguns extratos, acrescentan­do notas e comentários.

"Na Religião da Mente não há oposição do coração e cabeça. Não é só um culto do intelecto, não é só um culto da emoção.  É a senda da Devoção e Gnose inseparavelmente unidas".

O genuíno hermetismo reunia a busca mística (bakti) com a busca intelectual (jnana). E não existia oposição entre Religião e Ciência, como veio a ocorrer mais tarde. A transmutação da consciência, o buscar a luz e o experimentar a Realidade se complementavam.

Gnosis não é meramente conhecimento, como o sentido literal desta palavra grega indica. Gnosis é percepção espiritual, é a Sabedoria que é fruto do autoconhecimento. Já o gnosticismo é somente uma parte, um departamento de algo maior que inclui o conhecimento especulativo, mas que estende-se até a identificação com a "essência das-coisas-que-são" — termo usado por Pitágoras ao referir-se a Gnosis.

No capítulo O Significado de Gnosis do livro 'Quests Old and New', G.R.S. Mead esclarece este ponto, enfatizando que "Gnosis não é co­nhecimento intelectual".

"Gnosis é, necessariamente, gnosis de alguma coisa, mas de quê?". Com base em antigos textos, diz o autor que "a resposta dada pela maioria de nossas fontes é idêntica: ela é finalmente gnosis de Deus"2. Nisto há uma identificação com Clemente de Alexandria, nas Stromatas, que diz que Gnosis é o "conhecimento científico de Deus".

Na literatura trismegística Gnosis é chamada de "a religião da Mente".  Mas deve ser entendida a palavra "mente" como a Mente Divina. No aspecto cósmico e metafísico Hermes ou Thot é Mercúrio, o deus da Sabedoria, o "Logos de Deus".

A religião da Mente também é a "verdadeira Filosofia" ou o "amor à Sabedoria", o que sugere uma forma elevada de misticismo. No Poimandres a Mente Divina é chamada de Amor Divino. O amor à Sa­bedoria é imprescindível, como diria Pitágoras, para se chegar à "Sa­bedoria do Amor" ou, substituindo-se o termo, à "Sabedoria do Amor Divino".

H.P. Blavatsky, na Doutrina Secreta, indica que a "Sabedoria do Amor" ou Filosofia "significa atração e amor por algo oculto e subja­cente nos fenômenos objetivos, e o conhecimento de tudo isso"3! Assim, Filosofia implica amor e assimilação à Divindade. Encontramos, aqui, uma relação com a palavra Teosofia (Sabedoria Divina). Este termo surgiu a partir da Escola Neoplatônica de Alexandria e foi usado por Clemente de Alexandria. Salienta G.R.S. Mead que "Theosophia é somente um posterior e mais preciso termo para designar a extensão de idéias as quais foram reunidas no tempo de Pitágoras pela palavra Filosofia".

"A Gnosis da Mente é de uma natureza espiritual, pois ela é operada pelo princípio espiritual no homem"5"! Num texto hermético lemos que a gnosis da Mente é a "visão das coisas divinas". Mead acrescenta que "Gnosis não é conhecimento sobre alguma coisa, mas comunhão, co­nhecimento de".  Este é o grande objetivo, conhecer "Deus" — a Reali­dade em nós. Em um outro texto de origem gnóstica, o 4º Evangelho, cujo manuscrito original surgiu junto à primitiva comunidade Joanina (Qumran), lemos que "Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade" (4,24). Em outra passagem é dada a sugestão: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (8,32) — instrução no mais autêntico estilo gnóstico.

Isto sugere que a Mente é o instrumento e ao mesmo tempo é o "mistério dos mistérios", pois a Mente é o verdadeiro homem.

"A Mente não é somente aquilo que conhece, mas também o objeto de todo o conhecimento. Ela cria-se a si mesma para autoconhecer-se."6

Nos diz a Filosofia Esotérica que a Mente (Manas) é o veículo da alma espiritual (Buddhi) e um reflexo de Mahat (a mente universal). Ela é "o Grande Iniciador, é o Mestre de todos os domínios". Desse modo, é mais clara a afirmação do autor quando diz que a Gnosis "inicia, con­tinua e termina no conhecimento do próprio Eu, o reflexo do Conhecimento do Ser Uno".

O "conhece-te a ti mesmo" é a essência do trabalho do aspirante à Gnosis. E o genuíno gnosticismo é a Filosofia Esotérica, gerada pela experiência e compreensão de Mentes Superiores. Então, não é errado dizer-se que a "religião da Mente" é a verdadeira Filosofia e a verdadei­ra Ciência. Na Doutrina Secreta, H.P. Blavatsky diz que Gnosis é "a Ciência do Eu Superior" e o neoplatônico Jâmblico, em sua obra Sobre os Mistérios, refere-se à Teurgia como "a Ciência Sagrada". Mas não é só Ciência e Filosofia, também é Religião-Sabedoria.

     Sendo a Mente "o verdadeiro homem", sua meta é ser pura consciên­cia e "seu destino final é tornar-se a Mônada das mônadas, ou a Mente de Deus". Por isso, alguém só é gnóstico quando "renasce" em espírito e inicia a Senda que o conduz à identificação com a Mente Una.

    A manifestação histórica dessa Sabedoria, que floresceu especialmen­te entre os séculos I a.C. e II d.C., conhecida como "Gnosticismo" foi um mero reflexo. Apresentou-se como Gnose Hermética ou Gnose Cristã e "pode-se aprender muito comparando-se a Teosofia dos gnósticos herméticos com a Teosofia dos gnósticos cristãos", porém são fragmentos da genuína Gnosis — "ela é a única salvação para o homem — a Gnosis de Deus".

    Não é a crença, a fé ou o simples conhecimento o que importa. O fundamental é a comunhão interior, o religar da Mente individual com a Mente universal, a capacidade do homem "transcender os limites da dualidade que faz dele homem e tornar-se uma consciência divina".

    Este é o "Caminho para a Montanha" ou para o Olimpo e "a ignorância de Deus é o verdadeiro ateísmo".


NOTAS E BIBLIOGRAFIA

1 — O objetivo desta coleção era servir de introdução ao estudo da literatura gnóstica mais adiantada, da qual se destacam duas obras de sua autoria: Thrice-Greatest Hermes — studies in Hellenistic Theosophy and Gnosis (1906 — reeditado em 1978 por Hermes Press, detroit, USA) e Fragments of a Faith Forgotten (1900 — reeditado por University B00ks, New York, 1968).
2 — Editora G. Bell and Sons, Londres, 1913, p. 182.
3 — Ed. Pensamento, vol. V, p. 255.
4 — Extracts from the Vâhan, publicado por The Theosophical Publishing Society, Londres, 1904, p 336.
5 — Quests Old and New, p. 184.
6 — The Gnosis of the Mind, Theosophical Publishing Society, Londres, 1906, p. 15.

Logos, Nº15, Revista do Centro Teosófico de Pesquisas

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Criticar é feio, seu intolerante!


Não pode criticar nada

Alaya Dullius

Quando temos medo de apontar os erros, e dizer “isso é bom”, “isso é ruim”. Quando temos medo de dizer “isto está errado”, no fundo podemos estar com medo de que apontem os nossos erros.
Mas se não tenho medo de tentar perceber o caminho, discernindo, lapidando a joia e tirando as sujeiras, se não fizermos esse exercício, perdemos no caminhar, e deixamos de ser verdadeiros com nossa alma e passamos a buscar o conforto da personalidade, que não quer errar, que quer agradar, que quer aplauso. Porém assim deixamos passar as ervas daninhas, e as flores podem acabar sufocadas por nossa pretensa “tolerância” à ervas daninhas.

Quando deixamos de apontar um erro, também deixamos de permitir que apontem o nosso, como uma projeção psicológica. “Não posso falar que isso está errado, vão poder dizer que eu estou errado”.

Se nosso objetivo é buscar a verdade que liberta e não a que aprisiona na personalidade, então tudo bem, através do senso crítico, do estudo, e da meditação, eu posso não ter medo de falar aquilo que tenho para mim como real ou falso. E posso errar, pois se estou na busca não tem problema eu errar. 

O problema seria negligenciar os amigos e colegas de busca ao me calar, omitir, e deixar de falar o que realmente penso ou aprendi no estudo só para não ferir o ego de alguém, para não machucar o apego de alguém a alguma ideia. A Verdade não permite apegos. Se estamos apegados, não estamos libertos.

Se estamos apegados a um autor, mesmo que vejamos explicitamente que ele cometeu erros, morais, de vida, conceituais em relação ao caminho, onde encontramos contradição com outros autores que respeitamos. Se agimos assim, então parece que estamos tentando, por uma dissonância cognitiva, forçar que os dois concordem, por que não conseguimos admitir que haja um erro.. assim estamos perdendo ao descobrir nosso caminho, acabamos por ‘espalhar a poeira’ para fingir que tudo é igual. E não tem problema não ser igual.

Se a gente tem a audácia de fazer esse exercício de viveka, então podemos discernir. É preciso que haja uma joia do discernimento. Se não o temos, não podemos lapidar o nosso diamante interior, e ai ele não brilha, e o confundiremos com o ouro dos tolos.

Deveríamos deixar de fazer as coisas só para agradar ao outro ou nossa própria personalidade, que não quer olhar para seus próprios erros? Se não entramos nesse jogo psicológico, então podemos dar um passo para frente no caminho.

E quando damos esse passo, percebemos que há um compromisso muito maior com a busca, uma busca muito autentica e sincera. Dizia Hodson que a falta de sinceridade na alma é o que mais mata o buscador. Pois travestimos nossas intenções, dizemos que estamos em uma busca espiritual, mas estamos buscando aplausos, clientes, cargos, influência, dinheiro. Estamos buscando satisfazer desejos de um ego infantil, carente, que quer ser enxergado, que quer ter uma posição de ‘destaque’... Que às vezes precisa de terapia psicológica, como muitos precisamos e faz parte da jornada da alma. Mas transferimos isso para um discurso espiritual como se isso fosse resolver carências emocionais básicas.

O caminho espiritual trás felicidade quando trás autoconhecimento e uma sensação maior de estabilidade mental e propósito na vida. Mas se usamos a espiritualidade para outros fins (e só nos sabemos nossos motivos, mas é preciso honestidade ao se auto observar)... mas se é para satisfazer nosso ego, se é para ser aplaudido ou ter mais seguidores ou ter um cargo importante, com uma roupa especial, ter uma posição de liderança.. ou se queremos nos passar de ‘santos’ e influenciar e manipular pessoas à nossa volta que nos nutrem com elogios e bajulações... – todos sabemos que temos vícios e perturbações mentais, um pouco de meditação mostra isso bem para qualquer um, devemos ter coragem de encarar nossos vícios de frente ao invés de trata-los como nossos bichinhos de estimação...

Se colocarmos a nossa energia assim, e deixamos de focar no essencial e o verdadeiro... nos perdemos. Se tivermos medo de dizer “antes eu tinha certeza de algo, agora não tenho mais”. “Antes eu ia por esse caminho agora vejo erros nele”, “Esse autor me fez muito bem no passado, e colhi os frutos disso, e que bom que encontrei ele na minha vida, mas agora percebo que ele não é tão bom assim, vou procurar outro”. Tudo bem, não devemos nada a ninguém nessa vida, nesse sentido. Não precisamos justificar ações erradas de um pseudo-guru ou ser conivente para abusos que acontecem só porque aquela pessoa virou um escritor famoso ou um “líder” em alguma instituição dita espiritual.

Nosso compromisso deve ser com nossa alma, com a busca da Verdade e com o compromisso que temos de, se não pudermos ser o sol, sermos uma pequena vela, iluminando o caminho. Se tivermos condição de ajudar algum irmão que precise de um pouco mais de luz que nós, se nos calarmos, cometemos o pecado da omissão, pois todo sofrimento deve ser auxiliado.

Não adianta buscar sucesso e fama e querer ser o que não somos. As máscaras caem. O karma é infalível, e  em algum momento todo esse sucesso retornará como lição.

Não é um exercício de generosidade nem de compaixão quando deixamos de falar o que achamos ser o certo, só para evitar o conflito, ou a “mágoa” do outro. No sentido de que se nossa intenção NÃO é ferir, então é possível comunicar. Até quando vamos preferir as mentiras confortáveis versus as verdades desconfortáveis?

No budismo há a ideia de reinos de existência. E uma das coisas que acontece com quem tem muito karma positivo, pratica boas ações e tem acúmulo de mérito, é que essa pessoa pode renascer no reino dos deuses. Um local de muito prazer, sem sofrimentos. O único sofrimento é saber que aquilo vai acabar um dia, pois o karma ainda está agindo dentro do samsara. Se permitimos que a pessoa só fique confortavelmente com as suas verdades pessoais e nunca seja confrontada e questionada, e nunca possa olhar para si mesmo como ‘cometi um engano’, se nunca pode debater ou ser corrigida; ela esta presa no universo de deleite, ela não cresce. O que nos faz crescer é a experiência, é o ensinamento, mas é o sofrimento também.

Não há crescimento sem transmutação, sem “batalha interior”, sem se auto confrontar, precisamos ver como nossas opiniões e visões são dependentes da nossa personalidade, são impermanentes, e são condicionadas pelo modo como fomos criados, como enxergamos o mundo. E até mesmo nossas questões emocionais mais profundas influenciam como a gente absorve ou não um ensinamento. Então, se deixamos de falar, para agradar, para “não criticar” (como se isso fosse feio)... “ai, não pode falar mal”... vivemos numa sociedade que tem pavor de crítica, pavor de debate, de ser contrariada.. Se agimos assim estamos impedindo as pessoas de crescerem, e impedindo a nós mesmos.

Estamos impedindo que nós mesmos cresçamos quando não nos auto avaliamos, e deixamos de dar oportunidade de debate, de mudar de opinião, de perceber um erro às vezes... pois só concordar e ficar numa atitude ‘pseudo ecumênica’, porque teosofia não é um ecumenismo forçado que tudo tem que estar de acordo com tudo -- existem sim diferenças. Quando HPB diz que “Não há religião superior à Verdade”, que é na verdade uma fala sânscrita, o que ela diz é que a mesma verdade é expressa por tradições idôneas ao redor do mundo e ao redor dos séculos. Ela não está dizendo que não existem coisas falsas, que não existem erros. Nem tudo vai ser válido no nosso caminhar. Nem tudo precisamos acatar. Nem tudo merece ser ouvido e estudado.

É uma enorme falta de generosidade quando não permitimos o confronto de ideias, o debate, a discordância, o apontamento de enganos, e simplesmente darmos espaço... não estou dizendo que “nossa verdade é a verdade e a dos outros não é” , mas se não estamos abertos à possibilidade da existência do erro, então não podemos crescer.

A crítica é muitas vezes necessária, não devemos, melindrosos, temê-la. É o ego que a teme. Os mahatmas são extremamente críticos, e ainda assim, cheios de amor. Tenho mais medo de elogios vazios que acomodam ao invés de questionamentos que incentivam. O efeito colateral da critica, muitas vezes, é a transmutação interior daquele que tem coragem de ouvir além de suas couraças da personalidade.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Entendendo melhor o que é feitiçaria em oposição à Magia Divina

Desenvolvendo mais o tema debatido no post anterior ( https://viveka1.blogspot.com/2020/02/nem-todos-os-caminhos-conduzem.html) , sobre a validade de diversos caminhos "espirituais", convidei um amigo, sério estudioso de magia, alquimia, ocultismo e hermetismo, para colaborar no blog com suas reflexões sobre a feitiçaria.


Feitiçaria é diferente de Magia Divina
Texto de um convidado Anônimo.

É importante abordar de forma cuidadosa e com as devidas nuances este tema, pois simplesmente dizer que algo é magia negra tem o efeito de contar uma mentira. A pessoa volta e diz: "vocês dizem que é magia negra, mas dai cheguei lá eles estavam fazendo um rito de cura e doando pra caridade, logo vocês estavam mentindo”. 

O que distingue uma tradição de feitiçaria de uma Tradição esotérica que faz uso de magia é a inexistência da compreensão e emprego do aspecto transcendente da realidade, superior tanto ao universo material quanto ao psíquico.

Nas tradições de feitiçaria a magia é um continuo cabo de guerra entre os diversos seres que precisam roubar, emprestar, tomar ou trocar sua força. Os deuses não são mais que forças psíquicas personificadas e o feiticeiro simplesmente escolhe um lado nessa teomaquia, sendo a barganha de poder parte central da práxis. O poder do praticante de feitiçaria depende de um lado de sua capacidade de cultivar relações com os seres do mundo psíquico/astral e por outro de seu poder natural que pode ser desenvolvido por uma ascese mais ou menos refinada.

As tradições mágicas diferem em um elemento principal, cujo conhecimento é de origem místico e teúrgico, a existência de um plano superior ao psíquico que simultaneamente detém três propriedades: a impassividade, a capacidade de dar ordem e harmonia ao aparente caos do mundo psíquico e o poder irresistível de comandar as forças.

Esses três aspectos são apenas a expressão de um mesmo princípio que ordena, comanda e não é afetado pelo devir dos fenômenos. E, diferente do feiticeiro, que serve a algum espirito ou força personificada, o Magista lança mão de um recurso adicional em seus atos mágicos, a identificação e emulação desse princípio transcendental. É pelo emprego do principio transcendente que essa forma de magia passa a ser chamada de Alta Magia ou Magia Transcendental.

Vale ressaltar que Magia Transcendental é inseparável e se trata do ramo “aplicado” da Teurgia e do Misticismo.  Assim, enquanto o Magista possui um poder luminoso e harmonizado com os princípios superiores, o feiticeiro praticamente ignora o plano Noético e se limita a dominar habilmente tudo que diz respeito ao plano sensível. O Magista possui o poder da Glória, isto é, uma virtude que o faz irradiar luz e fazer com que outros desejem imita-lo, ele possui autoridade. O feiticeiro possui ganância de poder, ele constrange as forças a agirem como ele deseja. Ele age através de um poder, mas não através de uma Glória. O feiticeiro age como o poder dos arcontes, ele precisa de sacrifícios, substâncias, cultos. Ele barganha com forças invisíveis, acumula poderes e se alimenta de energias densas e sutis, ele não age através do poder da Luz. Ao mesmo tempo, o feiticeiro é muito cobiçado pelas forças que estão em planos sutis, astrais, e não estão encarnadas, pois estar em um corpo material é motivo de cobiça para muitos desses. Assim, esse poder do feiticeiro, que muitas vezes pode aparentar ser um “velho sábio” ou um “dominador de forças ocultas” vem de energias de vibração mais densa, ainda presas à ignorância e aos vícios.

O poder do Magista emana do Absoluto, vem de dentro e é impessoal. O Magista não precisa barganhar com o absoluto, ele apenas o manifesta a partir de uma simbologia divina e uma ascese pura. O feiticeiro usa forças externas, precisa se ligar a entidades, ou usar artifícios. Os mecanismos são do plano astral.

É comum tentarem levantar o argumento da colonialidade para tentar anular essa distinção com o argumento de preconceito cultural, evitando assim analisar de forma sóbria as implicações reais de certas práticas. Uma das implicações mais obvias é que as tradições de feitiçaria são predominantes em todas as regiões do globo. Não se trata de racismo, não é uma questão de etnia, mas de práxis. Encontramos práticas dessa natureza entre etruscos, hunos, tibetanos e escandinavos, por exemplo. Por outro lado ouvimos referências a grandes centros de saber espiritual ligados à Magia Divina na península de Yucatan.

De toda forma, devemos considerar por exemplo que até a chegada dos filósofos e as Escolas de Mistérios na Grécia e em Roma, as religiões locais nada mais eram que tradições de feitiçaria, em grande parte necromântica, empenhadas em guerras magicas entre cidades-estado e entre famílias. É possível ver uma gradual mudança no cenário com a chegada do orfismo, pitagorismo e platonismo especialmente, que curiosamente alegam origem egípcia ou babilônica. O que praticavam era a Teurgia.

Creio que não preciso chover no molhado com vocês a respeito disso, mas observar magia como uma ciência técnica permite avaliar com muita clareza que a diferença entre as tradições de feitiçaria e de alta magia tem como diferença um avanço tecnológico e de cosmovisão. Essa diferença não tem relação apenas com a conduta ética ou não daqueles que empregam essas tecnologias psíquicas. Trata-se de reconhecer que, da mesma forma que a cirurgia cerebral feita por um médico romano oferece mais risco que aquela feita por um médico moderno independente da boa vontade de ambos, o uso das técnicas das tradições de feitiçaria tem malefícios que podem ser suprimidos pelo emprego de técnicas de alta magia.

O que me surpreende é que, dispondo de um centro cirúrgico equipado, alguém procure por alguém com um cerrote para abrir seu crânio. Ser um cirurgião dos tempos de Roma é mais fácil que um neurocirurgião moderno, qual você escolheria para te guiar rumo à cura? Magia já é uma ciência oculta perigosa. Torna-se devastadora se for separada de uma ascese ética, e pior ainda quando faz uso de tecnologia psíquica arcaica.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Nem todos os caminhos conduzem à Iluminação!


Não, nem todos os caminhos conduzem à iluminação. Nem tudo é "teosofia". E sim, há caminhos para a Verdade

por Alaya Dullius

Quando compreendemos que há uma sabedoria imanente, perene, que é subjacente a todas as tradições espirituais idôneas, estamos dizendo que reconhecemos a unidade que permeia toda a manifestação de vida, que percebemos a existência de uma Sabedoria Divina, uma Gupta Vidya, que é a base fundamental das grandes religiões e tradições filosóficas de nosso mundo, a isto chamamos tradição-sabedoria.
Ainda que em suas roupagens externas, em sua linguagem, “sistemas” e “metodologias” encontremos muitas diferenças, à medida que nos aprofundamos nesses caminhos vamos percebendo como as diferenças são apenas de estrutura de linguagem, de grau de entendimento, de abordagem, cultura e época, mas que apontam para um denominador comum, o pico da montanha da sabedoria, o cume da iluminação.  


Portanto, ainda que em seu trajeto inicial alguns caminhos comecem em terrenos pantanosos e outros em densas florestas, ainda que alguns cruzem rios e outros escalem cachoeiras ou tenham que lidar com as dificuldades do deserto, esses caminhos, quando apontam para o mesmo pico nevado, terminarão descrevendo a mesma realidade a medida que dela se aproximam, mudam apenas os detalhes da trilha.

Esse elemento de unidade é o que chamamos de Sabedoria Universal, e ao pressupor a existência dessa Verdade Una que está acima das religiões, passamos a compreender que o que a Teosofia chama de “ramos da Fraternidade” são esses caminhos – válidos -- que levam ao cume do saber e da libertação do sofrimento. À medida que estudamos, aprendemos quais são alguns desses caminhos, e por afinidade de alma e coração, por estilo interno e raio de atuação, passamos a ter mais afinidade com um ou outro desses caminhos. E assim podemos empreender nossa jornada!

Sabemos por exemplo que existem fraternidades secretas que buscam a preservação desses ensinamentos, desses “mapas da trilha”, de modo que o mapa não seja alterado, e possa continuar a ser usado por todos os viajantes espirituais, sem que se percam. Mas sabemos também que há aqueles que têm claro interesse no “roubo” desses mapas, e que, rasurando, desenhando em cima, e alterando o rumo, vendem chumbo pintado, fingindo ser ouro... e pobre daquele que compra um mapa adulterado, as vezes embalado de maneira mais ‘profissional’ que aquele velho papel amarelado e batido...

Sabemos que nessas fraternidades há guias experientes dos mais elevados graus, e que eles não caminharão por nós, mas podem nos auxiliar nessa jornada. Sabemos que no mundo perpetuaram (e perpetuam ainda) ensinamentos que chamamos de, por exemplo, budismo mahayana, cristianismo e gnosticismo, maniqueísmo, hinduísmo, yoga de Patanjali, orfismo, zoroastrismo, pitagorismo, platonismo. Chamamos seus mapas de taoísmo, vedanta, islamismo sufi, drusos, cabala cristã, rosacrucianismo, hermetismo, etc.

Sabemos que são reflexos também das chamadas “Escolas de Mistério”, que foram surgindo e se preservando à medida que a humanidade de ciclos anteriores passou a se degenerar e usar o conhecimento para fins escusos. Essa degeneração é relatada como decorrente do uso indevido dos poderes latentes em nós, do abuso de práticas animistas, voltadas à busca de poder pessoal, egoísta. A degradação é decorrente da manipulação energética-psíquica para fins de autogratificação ou até mesmo causar mal a terceiros. À medida que os seres humanos se perderam no universo de deleites egoístas dos planos inferiores da manifestação ansiaram por ter poder uns sobre os outros, o conhecimento fechou-se e foi tornando-se cada vez mais esotérico, pois assim o caminho não seria perdido.

Assim, o mapa seria preservado, e aqueles que ainda sentem em seus corações a chama audaciosa do libertar-se de si mesmo em busca da luz divina que em nós habita, incentivados por uma motivação de amor e compaixão por todos os seres -- estes ainda poderiam ter acesso a esse caminho, mas antes, deveriam purificar-se de toda vilania, intenções autocentradas, motivações egoístas, e atitudes mesquinhas de vida que “poluem” corpo e mente.  Fala-se muito no provérbio de “não atirar pérolas aos porcos”, com um sentido de desprezo ao outro, o que é muito negativo. Porém esquecemo-nos do outro trecho “não deis aos cães o que é santo, para que não pisem e, voltando-se contra vós, estraçalhem”.



E é isso que ocorre nas tradições espirituais. Os mapas da Montanha Sagrada são preservados para que não sejam estraçalhados por aqueles que ainda possuem motivações egoístas, ainda que por vezes pareçam “refinadas” e estejam disfarçadas de amor ao próximo. Ao preservarmos o mapa, ajudamos o caminhante sincero a ainda ter acesso à estreita porta que leva aos Céus.

Por compaixão os instrutores que conhecem esse íngreme caminho nos chamam a participar da jornada, mas antes precisamos limpar nossos corações e ter certeza da motivação ao começar o primeiro passo. Pois assim que caminhamos surgem aqueles “vendedores ambulantes” prometendo fórmulas que ao ingerirmos vão “melhorar nossa resistência ao caminhar”, facilitar, acelerar... surgem aqueles que querem te vender coisas que você não precisa, equipamentos “mais modernos”, e estes só serão peso acumulado na sua mochila. Ou então te entregam “mapas novos” pois aquela trilha lá foi “fechada pelo mato” (assim dizem, apesar de não ser verdade). Surgem os “sherpas” se oferecendo para carregar o peso por você, você só precisa oferecer algumas coisas a eles, nem sempre é seu dinheiro... Há muitas distrações no inicio do caminho. Há muitos tentando tirar vantagem do caminhante, e muitos caminhantes desistem da jornada e resolvem se juntar aos vendilhões da trilha, tirando uma falsa vantagem pessoal nisso – falsa, pois a lei do karma não tardará a ser aplicada.

No andar da Senda Espiritual o importante é não perder a meta de vista. Alguns até oferecem serviços de guia na trilha, mas estão “fazendo bico”, não passaram pela “formação”, não sabem agir no caso de emergências. E sabemos bem o que acontece quando um cego guia outro cego.  Outros começam bem seu caminhar, bem intencionados, mas acabam em trilhas sem saída, esquecem-se da montanha e seu pico ensolarado, e resolvem ficar analisando as árvores da floresta, as criaturas do pântano pelo qual a trilha corta, ou as pedras daquele morro onde pararam para descansar. Confundem a meta e ficam ali, esquecidos da motivação inicial, às vezes incentivados por um guia que adora colher amostras de plantas aquáticas, observar os girinos, ou olhar os pássaros em suas árvores, tornam-se especialistas naquelas regiões, mas ali se esquecem... e quantos anos ficam analisando o terreno, enquanto seus pés fincados no lodo afundam a cada dia que passa, e quantas cobras não rondam essas águas lamacentas...

Assim, ainda que no dito popular todos os caminhos levem a Roma, isso não é verdade quando falamos do trilhar espiritual. Perceber que há muitos caminhos válidos, reflexos da mesma luz divina, certamente nos leva a uma atitude de maior tolerância e fraternidade para com todas as pessoas. Perceber que diversas tradições espirituais são mapas de acesso à mesma Sabedoria Universal, e que seus caminhos são apenas faces diferentes daquela montanha em cujo cume brilha o Sol da Vida, faz com que tenhamos mente aberta para aprender com nossos irmãos, que seguem outras religiões ou filosofias; faz com que possamos enxergar que o caminho é possível a todos, e que há uma luz divina habitando em cada um de nós.

Entendemos que a linguagem e cultura que cada tradição se manifesta é uma roupagem externa, e que ao nos abrirmos ao estudo comparado das tradições, não são as roupas que estamos comparando -- isso seria superficial e reducionista, para não dizer tolo. É no aprofundamento e real compreensão da tradição que vamos aos poucos deixando a canoa para trás, quando conseguimos atravessar o rio, quando o ensinamento se torna parte de nossa vivência. É no profundo que a comparação é feita, é no profundo que a reta compreensão ocorre. Um “ecumenismo” por cima é apenas um rolo compressor que destrói a meta do mapa e tenta homogeneizar coisas que nem sempre se equalizam. E que não devem se equalizar.


Portanto, admitir que haja muitos caminhos válidos, que merecem ser estudados, que nos instigam a uma atitude de fraternidade e respeito para com toda a humanidade, não é o mesmo que admitir que todos os caminhos levem à meta nem é dizer que a Verdade é uma terra sem caminho -- isto seria esquecer-se de todos os Mestres que ao longo dos séculos se esforçam para manter acessa a luz de seus mapas e seria achar que precisamos reinventar a roda, redescobrir o fogo; uma grande petulância, como sair como um capitão do mato cortando a vegetação densa com facão quando há caminhos possíveis, prontos para serem seguidos, basta que você tenha a humildade de se comprometer com o serviço.

Não, nem todos os caminhos levam ao pico montanhoso. Nem tudo que reluz é ouro. Nem tudo que aparenta ser espiritual é válido. Alguns caminhos te afastam da montanha. Alguns aparentam se aproximar e terminam no meio da jornada, em algum deserto sem vida, em algum pântano de enganações.
Em ciclos anteriores da humanidade ensinamentos foram deixados para trás, e seus resquícios lutam em permanecer ativos ainda hoje, mas se é que algum dia tiveram algo luminoso em si, hoje são uma casca de animismo psíquico e devaneios do plano astral. Há caminhos que se ocupam com as camadas inferiores da manifestação, que se entrelaçam dando voltas e voltas nas camadas do mundo sensível, mais confundindo do que guiando. Há caminhos que não ensinam o ser humano a se libertar do que em teosofia chamamos de “quaternário inferior”, do que no gnosticismo chamamos de “o mundo dos arcontes”, não, eles mantém o incauto preso, dominando técnicas desses subplanos, mas nunca libertando a alma para o Pleroma, para o mundo Inteligível, para além dos grilhões do ego e da auto-ilusão.

Insistem em chamar de espirituais planos psíquicos inferiores, ainda dominados pelo maya da ignorância. Confundem os arquétipos divinos com entidades astrais, e chamam de “deuses” aqueles que como vampiros sutis se alimentam da energia de desejo e ganância dos viventes. Suas promessas de serem um método mais rápido, natural, sem auto sacrifício, agradam o ego. Mas a Doutrina Secreta nos ensina que o universo é cíclico, e que alguns ciclos devem terminar. Aquilo que deu errado e afundou civilizações inteiras em um pesado karma devido à prática do que hoje chamamos “feitiçaria” não deve ser reavivado nem equiparado às tradições de mistério que verdadeiramente libertam a alma através da magia divina e do caminho altruísta. Aquilo que em diversos povos e civilizações voltou-se a praticas de fetichismo, “magia cinzenta”, domínio sobre poderes sutis para fins pessoais e uso de práticas que envolvem substâncias ou o uso de elementos de material etérico não é o caminho proposto pela Sabedoria Divina.

O caminho da luz parte de uma chama interior no centro da caverna do coração, e a única coisa que pode auxiliar que cada buscador em sua jornada não se perca entre as diversas trilhas, caminhos falsos, vegetações densas, e vendilhões enganados ou mal intencionados, é Viveka, a jóia do discernimento. Não é possível servir a dois reis, disse um Mestre certa vez. É preciso separar o joio do trigo, identificar o lobo em pele de cordeiro, não cair na lábia dos falsos profetas, dos xamãs da selva de pedra, dos gurus da modernidade. É preciso ter plena atenção, foco no pico da Luz, e muito discernimento. À medida que avançamos na trilha, passamos a ver quantas armadilhas evitamos, e quantas caímos. Feitiçaria é feitiçaria, mesmo pintada de purpurina para agradar a relatividade das personalidades. O mundo dos arcontes tenta agradar, mas não é o Pleroma Celeste, não conduz ao Nirvana.


No seu caminhar, ninguém pode carregar sua mochila por você. Que um coração amoroso, um desapego de si mesmo, e a luz do discernimento possa te guiar. Não há nada mais nobre do que a oportunidade de servir à humanidade através da compaixão e do despertar da sabedoria. Que sua alegria seja a luz de Viveka guiando teu coração.



******--- Acompanhe amanhã, postarei de um convidado anônimo, um aprofundamento no entendimento do que é de fato "feitiçaria", a partir da perspectiva da Magia Divina

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