segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Criticar é feio, seu intolerante!


Não pode criticar nada

Alaya Dullius

Quando temos medo de apontar os erros, e dizer “isso é bom”, “isso é ruim”. Quando temos medo de dizer “isto está errado”, no fundo podemos estar com medo de que apontem os nossos erros.
Mas se não tenho medo de tentar perceber o caminho, discernindo, lapidando a joia e tirando as sujeiras, se não fizermos esse exercício, perdemos no caminhar, e deixamos de ser verdadeiros com nossa alma e passamos a buscar o conforto da personalidade, que não quer errar, que quer agradar, que quer aplauso. Porém assim deixamos passar as ervas daninhas, e as flores podem acabar sufocadas por nossa pretensa “tolerância” à ervas daninhas.

Quando deixamos de apontar um erro, também deixamos de permitir que apontem o nosso, como uma projeção psicológica. “Não posso falar que isso está errado, vão poder dizer que eu estou errado”.

Se nosso objetivo é buscar a verdade que liberta e não a que aprisiona na personalidade, então tudo bem, através do senso crítico, do estudo, e da meditação, eu posso não ter medo de falar aquilo que tenho para mim como real ou falso. E posso errar, pois se estou na busca não tem problema eu errar. 

O problema seria negligenciar os amigos e colegas de busca ao me calar, omitir, e deixar de falar o que realmente penso ou aprendi no estudo só para não ferir o ego de alguém, para não machucar o apego de alguém a alguma ideia. A Verdade não permite apegos. Se estamos apegados, não estamos libertos.

Se estamos apegados a um autor, mesmo que vejamos explicitamente que ele cometeu erros, morais, de vida, conceituais em relação ao caminho, onde encontramos contradição com outros autores que respeitamos. Se agimos assim, então parece que estamos tentando, por uma dissonância cognitiva, forçar que os dois concordem, por que não conseguimos admitir que haja um erro.. assim estamos perdendo ao descobrir nosso caminho, acabamos por ‘espalhar a poeira’ para fingir que tudo é igual. E não tem problema não ser igual.

Se a gente tem a audácia de fazer esse exercício de viveka, então podemos discernir. É preciso que haja uma joia do discernimento. Se não o temos, não podemos lapidar o nosso diamante interior, e ai ele não brilha, e o confundiremos com o ouro dos tolos.

Deveríamos deixar de fazer as coisas só para agradar ao outro ou nossa própria personalidade, que não quer olhar para seus próprios erros? Se não entramos nesse jogo psicológico, então podemos dar um passo para frente no caminho.

E quando damos esse passo, percebemos que há um compromisso muito maior com a busca, uma busca muito autentica e sincera. Dizia Hodson que a falta de sinceridade na alma é o que mais mata o buscador. Pois travestimos nossas intenções, dizemos que estamos em uma busca espiritual, mas estamos buscando aplausos, clientes, cargos, influência, dinheiro. Estamos buscando satisfazer desejos de um ego infantil, carente, que quer ser enxergado, que quer ter uma posição de ‘destaque’... Que às vezes precisa de terapia psicológica, como muitos precisamos e faz parte da jornada da alma. Mas transferimos isso para um discurso espiritual como se isso fosse resolver carências emocionais básicas.

O caminho espiritual trás felicidade quando trás autoconhecimento e uma sensação maior de estabilidade mental e propósito na vida. Mas se usamos a espiritualidade para outros fins (e só nos sabemos nossos motivos, mas é preciso honestidade ao se auto observar)... mas se é para satisfazer nosso ego, se é para ser aplaudido ou ter mais seguidores ou ter um cargo importante, com uma roupa especial, ter uma posição de liderança.. ou se queremos nos passar de ‘santos’ e influenciar e manipular pessoas à nossa volta que nos nutrem com elogios e bajulações... – todos sabemos que temos vícios e perturbações mentais, um pouco de meditação mostra isso bem para qualquer um, devemos ter coragem de encarar nossos vícios de frente ao invés de trata-los como nossos bichinhos de estimação...

Se colocarmos a nossa energia assim, e deixamos de focar no essencial e o verdadeiro... nos perdemos. Se tivermos medo de dizer “antes eu tinha certeza de algo, agora não tenho mais”. “Antes eu ia por esse caminho agora vejo erros nele”, “Esse autor me fez muito bem no passado, e colhi os frutos disso, e que bom que encontrei ele na minha vida, mas agora percebo que ele não é tão bom assim, vou procurar outro”. Tudo bem, não devemos nada a ninguém nessa vida, nesse sentido. Não precisamos justificar ações erradas de um pseudo-guru ou ser conivente para abusos que acontecem só porque aquela pessoa virou um escritor famoso ou um “líder” em alguma instituição dita espiritual.

Nosso compromisso deve ser com nossa alma, com a busca da Verdade e com o compromisso que temos de, se não pudermos ser o sol, sermos uma pequena vela, iluminando o caminho. Se tivermos condição de ajudar algum irmão que precise de um pouco mais de luz que nós, se nos calarmos, cometemos o pecado da omissão, pois todo sofrimento deve ser auxiliado.

Não adianta buscar sucesso e fama e querer ser o que não somos. As máscaras caem. O karma é infalível, e  em algum momento todo esse sucesso retornará como lição.

Não é um exercício de generosidade nem de compaixão quando deixamos de falar o que achamos ser o certo, só para evitar o conflito, ou a “mágoa” do outro. No sentido de que se nossa intenção NÃO é ferir, então é possível comunicar. Até quando vamos preferir as mentiras confortáveis versus as verdades desconfortáveis?

No budismo há a ideia de reinos de existência. E uma das coisas que acontece com quem tem muito karma positivo, pratica boas ações e tem acúmulo de mérito, é que essa pessoa pode renascer no reino dos deuses. Um local de muito prazer, sem sofrimentos. O único sofrimento é saber que aquilo vai acabar um dia, pois o karma ainda está agindo dentro do samsara. Se permitimos que a pessoa só fique confortavelmente com as suas verdades pessoais e nunca seja confrontada e questionada, e nunca possa olhar para si mesmo como ‘cometi um engano’, se nunca pode debater ou ser corrigida; ela esta presa no universo de deleite, ela não cresce. O que nos faz crescer é a experiência, é o ensinamento, mas é o sofrimento também.

Não há crescimento sem transmutação, sem “batalha interior”, sem se auto confrontar, precisamos ver como nossas opiniões e visões são dependentes da nossa personalidade, são impermanentes, e são condicionadas pelo modo como fomos criados, como enxergamos o mundo. E até mesmo nossas questões emocionais mais profundas influenciam como a gente absorve ou não um ensinamento. Então, se deixamos de falar, para agradar, para “não criticar” (como se isso fosse feio)... “ai, não pode falar mal”... vivemos numa sociedade que tem pavor de crítica, pavor de debate, de ser contrariada.. Se agimos assim estamos impedindo as pessoas de crescerem, e impedindo a nós mesmos.

Estamos impedindo que nós mesmos cresçamos quando não nos auto avaliamos, e deixamos de dar oportunidade de debate, de mudar de opinião, de perceber um erro às vezes... pois só concordar e ficar numa atitude ‘pseudo ecumênica’, porque teosofia não é um ecumenismo forçado que tudo tem que estar de acordo com tudo -- existem sim diferenças. Quando HPB diz que “Não há religião superior à Verdade”, que é na verdade uma fala sânscrita, o que ela diz é que a mesma verdade é expressa por tradições idôneas ao redor do mundo e ao redor dos séculos. Ela não está dizendo que não existem coisas falsas, que não existem erros. Nem tudo vai ser válido no nosso caminhar. Nem tudo precisamos acatar. Nem tudo merece ser ouvido e estudado.

É uma enorme falta de generosidade quando não permitimos o confronto de ideias, o debate, a discordância, o apontamento de enganos, e simplesmente darmos espaço... não estou dizendo que “nossa verdade é a verdade e a dos outros não é” , mas se não estamos abertos à possibilidade da existência do erro, então não podemos crescer.

A crítica é muitas vezes necessária, não devemos, melindrosos, temê-la. É o ego que a teme. Os mahatmas são extremamente críticos, e ainda assim, cheios de amor. Tenho mais medo de elogios vazios que acomodam ao invés de questionamentos que incentivam. O efeito colateral da critica, muitas vezes, é a transmutação interior daquele que tem coragem de ouvir além de suas couraças da personalidade.


Um comentário:

  1. Pois travestimos nossas intenções, dizemos que estamos em uma busca espiritual, mas estamos buscando aplausos, clientes, cargos, influência, dinheiro. Estamos buscando satisfazer desejos de um ego infantil, carente, que quer ser enxergado, que quer ter uma posição de ‘destaque’... Que às vezes precisa de terapia psicológica, como muitos precisamos e faz parte da jornada da alma. Excelente observação!

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