Como ela nos deixou
por Laura M. Cooper
[Originalmente publicado em Lucifer (London) June 15,
1891, pp. 267-271.
Republicado em H.P.B.: In Memory of Helena Petrovna Blavatsky by Some
of Her Pupils, London, Theosophical Publishing Society, 1891, pp. 3-7.]
Republicado em H.P.B.: In Memory of Helena Petrovna Blavatsky by Some
of Her Pupils, London, Theosophical Publishing Society, 1891, pp. 3-7.]
Foi para mim um privilégio estar com H.P.B durante
sua última convalescênça, e no momento de sua morte. Me pediram que eu contribuísse
compartilhando “memórias” minhas sobre estes momentos, para benefício de irmãos
e irmãs da Teosofia, que, estando distantes, não tiveram a vantagem de estar
próximos de H.P.B constantemente.
Foi numa terça-feira, dia 21 de Abril, que fui
para ficar na sede da loja por alguns dias, dias estes que, dado aos eventos
inesperados que se seguiram, transformaram-se em semanas. H.P.B parecia estar
em seu estado normal de saúde, e na quinta-feira, dia 23, ela participou do encontro
da Loja e permaneceu conversando com os amigos que a cercaram por algum tempo
após o fim da reunião daquela noite; ela então retirou-se para seu quarto, como
lhe era de costume, e os membros da loja que moravam na sede sentaram junto a
ela enquanto ela tomava seu último café antes de se retirar para a noite.
O dia seguinte, sexta-feira, passou quietamente,
sem nenhum sinal de que logo nossa amada H.P.B iria deixar-nos. Na noite seguinte,
sábado, ela estava muito desperta. Dr. Mennell
apareceu e ficou muito satisfeito com sua condição. Minha irmã, Isabel
Cooper-Oakley, e eu, juntamente com mais um ou dois membros, ficamos
conversando com H.P.B até as onze da noite, quando ela se retirou com um
animado “boa noite a todos”, tudo parecia normal.
Na manhã seguinte, contudo, a empregada de H.P.B veio cedo para meu quarto para
avisar que Helena passou uma noite inquieta, estremecendo e em dor. Desci logo a
seguir para verificar, e logo pude perceber que ela estava evidentemente com
uma febre bastante alta. Chamamos o médico e o dia passou com H.P.B alternando
entre um sono profundo ou inquieta e sofrendo. Mais tarde o médico retornou e
declarou que ela estava com um caso de influenza; a febre estava muito alta,
mais de 40 célsius. Temendo complicações dado as condições de doença crônica
(renal) que H.P.B se encontrava, Dr. Mennell atendeu ao caso com muita
seriedade, e pediu que durante a noite toda nós nos revezássemos para cuidar
dela além da presença da empregada, e que deveríamos dar pontualmente tanto a
medicina quando o alimento.
Isabel Cooper-Oakley
Este dever caiu sobre mim, a Condessa de
Wachtmeister havia passado o dia inteiro engajada com diversos trabalhos e
estava exausta a noite, e o Dr. Mennell não permitiu que minha irmã ajudasse
dado seu estado de saúde mais frágil.
Naquela memorável noite de domingo, dia 26 de
abril, começou uma série de infortúnios, a doença passou de um membro da loja
para outro, culminando com o falecimento de nossa amada professora. As horas
passaram lentamente, alternando sono e inquietude, e na manhã seguinte nenhuma
melhora foi observada. Trouxemos a grande poltrona de H.P.B para seu quarto e
colocamos ao lado de sua cama, caso desejasse mudar de posição ou sentar um
pouco.
Apesar de estar muito doente ela pediu que nós a informássemos
de tudo que estava acontecendo, e demonstrou triste preocupação ao saber que
outro membro, o Sr. Sturdy, também estava acamado com influenza; quando foi
sugerido que o Sr. Mead trouxesse Sr. Sturdy para a sede, para que ele também
pudesse receber todo cuidado, ela ficou muito feliz e pediu que fizéssemos isso
logo por ele.
H.P.B passou um dia de longo sofrimento, e quando
Dr. Mennell chegou ao entardecer ela estava abalada ao saber que a febre estava
ainda muito alta; ele mudou a medicação e lhe deu um preparo de ácido acetilsalicílico
(salicene), sendo necessário reduzir sua temperatura. Ele deixou orientação de
sempre tirarmos a temperatura dela antes de cada dose do remédio, e observarmos
caso a temperatura caísse demais, pois isso seria perigoso e deveríamos parar
com a medicação. Antes da hora da terceira dose a temperatura dela já havia
baixado bastante, e ela estava sentindo efeitos colaterais da medicação, então
achei justo não dar a terceira dose. Foi um alívio quando o Dr. Mennell
retornou e confirmou que estávamos agindo corretamente.
Ela passou uma noite relativamente tranquila e na
terça-feira de manhã a febre tinha praticamente desaparecido; naquele dia e na
noite seguinte tudo parecia estar bem, pois apesar da fraqueza ser inquietante,
não haviam surgido mais complicações, e ela conseguiu se alimentar bem. Mas na
quinta-feira, dia 30, H.P.B começou a sentir muita dor de garganta, e grande
dificuldade para engolir; ela tossia muito e mal conseguia respirar. Na sexta
feira ela estava pior ainda e quando Dr. Mennell chegou ele encontrou um
abcesso peritonsillar (complicação de amigdalite) no lado direito da garganta
dela; usamos alguns cataplasmas quentes na região e algum alívio foi
conseguido. Durante a noite o abcesso estourou, uma noite pior se seguiu e
durante a manhã havia um segundo abcesso se formando na garganta. Este estava
localizado no tubo brônquico. Um dia e noite horrível se seguiu e no domingo, 3
de maio, H.P.B estava extremamente doente, sentindo muita dor para engolir
qualquer coisa, não conseguindo alimentar-se e cada vez mais fraca consequentemente.
Segunda e terça-feira passaram da mesma maneira, o abcesso desapareceu, mas os
brônquios continuavam muito afetados e ela respirava muito mal. Não conseguia deitar-se.
Ela lutou bravamente contra sua doença.
Na
quarta-feira, dia 6 de maio, ela vestiu-se e caminhou até a sala de estar e
ficou descansando no sofá; à noite o Dr. Mennell considerou que ela estava um
pouco melhor, não havia mais febre mas estava muito fraca e com dificuldade
para respirar, e isso o preocupou. Diversas vezes H.P.B disse a ele que sentia
que estava morrendo, e que não conseguiria lutar por muito mais tempo; mas ele,
sabendo de seu histórico de ter-se recuperado quase que milagrosamente de
doenças anteriores, ele não abandonou as esperanças; posso dizer que este era o
sentimento de todos nós na casa, pois apesar de percebermos o quão gravemente
doente H.P.B. estava, não conseguíamos acreditara que ela partiria.
H.P.B e G.R.S.Mead
Desde seus primeiros dias de doença H. P. B.
perdeu todo o desejo de fumar seus cigarros. Quando a febre sumiu ela tentou
uma vez, mas não lhe trouxe prazer algum e ela jogou-o fora. Ela sempre tinha
algum cigarro pronto para quando o Dr. Mennell visitava, as vezes quando ela
não conseguia, o Sr. Mead ou o Sr. Wright eram chamados para ajudar. Aquela
quarta-feira a noite foi o ponto de virada da doença dela; por volta da meia
noite ela piorou muito e durante uma hora parecia que ela estava morrendo
mesmo; ela não tinha mais pulso perceptível, e parecia quase impossível para
ela respirar. Após um tempo ela foi melhorando um pouco, e o perigo parecia ter
passado. Na quinta-feira bem cedo o Sr. Wright foi buscar o Dr. Mennell; ele
ficou um tempo conosco observando ela reagir à medicação que ele dera – ao longo
do dia H. P. B. levantou-se e vestiu-se, e caminhou para a sala de estar; ela
solicitou por sua poltrona e enquanto trazíamos ela permaneceu de pé, imóvel,
segurando-se na mesa. Ela sentou-se na poltrona e tentou abrir um jogo de
paciência; apesar do corajoso esforço, era bastante aparente que ela estava
sofrendo imensamente, e que nada além de sua forte vontade estava sustentando
ela; a grande dificuldade em respirar deixava ela com uma expressão triste de
se ver.
Quando o Dr. Mennell voltou, ficou surpreso em
vê-la sentada na sala e a congratulou, desejando-lhe força e coragem; ela disse
“Eu faço meu melhor doutor”; sua voz era apenas um sussurro e o esforço para
falar era exaustivo, pois ela não tinha fôlego. Mas ela podia ouvir e gostava
de ouvir a conversação. Ela entregou ao Dr. Mennell um cigarro que ela preparou
para ele, foi o último que ela enrolou. Após um tempo o Dr. Mennell perguntou a
H.P.B se ela se importaria de receber o Dr. Miller, seu colega, e permitir que
ele ouvisse seu peito e a examinasse; ela consentiu e logo ele chegou. Após
examina-la, fomos chamados para conversar, eu, minha irmã Isabel Cooper-Oakley
e os dois doutores. Dr. Miller estava muito preocupado com a condição de H.P.B,
sua extrema fraqueza e a bronquite. Ele receitou uma medicação e logo após
partir H.P.B retornou ao seu quarto. Ela estava muito cansada, mas ainda assim
perguntou se os outros tinham melhorado e se haveria reunião da loja.
Condessa Constance Wacthmeister
A noite seguinte foi a última dela conosco. Foi
uma noite de muito sofrimento. Por não conseguir respirar ela não conseguia
descansar em posição nenhuma. Ela acabou obrigando-se a ficar sentada envolta
em travesseiros. Ela quase não tinha mais força para tossir. Por volta das 4h
da madrugada ela parecia mais calma, e havia pulso, e daquela hora até as 7 da
manhã, quando a deixei, tudo estava calmo. Minha irmã tomou meu lugar nos
cuidados, enquanto eu ia descansar um pouco. Dr. Mennell apareceu novamente e
ficou satisfeito em verificar um bom pulso nela. Ele me falou para descansar e
disse que minha irmã poderia se ocupar com suas tarefas. As 11:30 da manhã eu
fui acordada pelo Sr. Wright, que me chamou para vir imediatamente pois H.P.B
havia piorado muito de repente, e a enfermeira achou que ela não aguentaria
mais algumas horas. Assim que entrei em seu quarto vi o quão crítica era a
situação.
Mr. Wright
Ela estava sentada em sua cadeira e eu me ajoelhei a sua frente e
pedi que ela tentasse tomar o remédio; apesar de estar fraca demais para
segurar o copo, ela permitiu que eu derramasse em seus lábios e ela conseguiu
engolir; mas após isso conseguimos apenas dar-lhe um pouco de comida na colher.
Então percebi uma mudança, e quando tentei umedecer seus lábios eu vi que seus
olhos estavam ficando apagados. Ela manteve sua consciência até o fim. H.P.B
tinha o hábito de mover um pé enquanto pensava, e ela continuou a mover o pé
até parar de respirar. Quando toda esperança havia esvaído-se, a enfermeira
saiu do quarto, deixando C. F. Wright, W. R. Old e eu com nossa amada H.P.B. Os
dois ajoelharam-se ao seu lado segurando sua mão e eu sentei ao seu lado e
apoiei sua cabeça; ficamos assim por muitos minutos, H.P.B faleceu tão quieta
que mal percebemos o momento que ela partiu de fato; um grande sentimento de
paz preencheu o quarto e nós três ficamos lá em quietude até que, primeiro
minha irmã e então a Condessa chegaram. Era 8 de maio de 1891.
Eu havia telegrafado a eles e ao Dr. Mennell
quando a enfermeira disse que o fim estava próximo, mas eles não chegaram a
tempo de vê-la. Não perdemos tempo em lamúrias vãs, tentamos pensar e fazer
aquilo que ela gostaria que fizéssemos na dada circunstância, e sentíamos gratidão
por ela ter se libertado de todo aquele sofrimento. O raio de luz na escuridão
de nossa perda parecia ser que tínhamos esperança de continuar o trabalho dela,
e que ela poderia partir em paz. Ela confiou a nós, seus discípulos próximos, o
serviço da causa a qual ela dedicou sua vida, e a profundeza do nosso amor e
lealdade será medida com nosso trabalho.
Laura M. Cooper.
*tradução Alaya Dullius
Após sua morte, seu corpo foi cremado no crematório de Woking, onde G.R.S. Mead conduziu uma bela leitura em seu funeral. Leia o discurso dele aqui: https://viveka1.blogspot.com/2019/11/discurso-de-cremacao-de-helena.html