quinta-feira, 16 de maio de 2019

A Morte de Helena Blavatsky


Como ela nos deixou

por Laura M. Cooper

[Originalmente publicado em  Lucifer (London) June 15, 1891, pp. 267-271.
Republicado em H.P.B.:  In Memory of Helena Petrovna Blavatsky by Some
of Her Pupils, London, Theosophical Publishing Society, 1891, pp. 3-7.]

Foi para mim um privilégio estar com H.P.B durante sua última convalescênça, e no momento de sua morte. Me pediram que eu contribuísse compartilhando “memórias” minhas sobre estes momentos, para benefício de irmãos e irmãs da Teosofia, que, estando distantes, não tiveram a vantagem de estar próximos de H.P.B constantemente. 


Foi numa terça-feira, dia 21 de Abril, que fui para ficar na sede da loja por alguns dias, dias estes que, dado aos eventos inesperados que se seguiram, transformaram-se em semanas. H.P.B parecia estar em seu estado normal de saúde, e na quinta-feira, dia 23, ela participou do encontro da Loja e permaneceu conversando com os amigos que a cercaram por algum tempo após o fim da reunião daquela noite; ela então retirou-se para seu quarto, como lhe era de costume, e os membros da loja que moravam na sede sentaram junto a ela enquanto ela tomava seu último café antes de se retirar para a noite.


O dia seguinte, sexta-feira, passou quietamente, sem nenhum sinal de que logo nossa amada H.P.B iria deixar-nos. Na noite seguinte, sábado, ela estava muito desperta. Dr. Mennell apareceu e ficou muito satisfeito com sua condição. Minha irmã, Isabel Cooper-Oakley, e eu, juntamente com mais um ou dois membros, ficamos conversando com H.P.B até as onze da noite, quando ela se retirou com um animado “boa noite a todos”, tudo parecia normal.


Na manhã seguinte, contudo, a empregada de H.P.B veio cedo para meu quarto para avisar que Helena passou uma noite inquieta, estremecendo e em dor. Desci logo a seguir para verificar, e logo pude perceber que ela estava evidentemente com uma febre bastante alta. Chamamos o médico e o dia passou com H.P.B alternando entre um sono profundo ou inquieta e sofrendo. Mais tarde o médico retornou e declarou que ela estava com um caso de influenza; a febre estava muito alta, mais de 40 célsius. Temendo complicações dado as condições de doença crônica (renal) que H.P.B se encontrava, Dr. Mennell atendeu ao caso com muita seriedade, e pediu que durante a noite toda nós nos revezássemos para cuidar dela além da presença da empregada, e que deveríamos dar pontualmente tanto a medicina quando o alimento.
Isabel Cooper-Oakley


Este dever caiu sobre mim, a Condessa de Wachtmeister havia passado o dia inteiro engajada com diversos trabalhos e estava exausta a noite, e o Dr. Mennell não permitiu que minha irmã ajudasse dado seu estado de saúde mais frágil.

Naquela memorável noite de domingo, dia 26 de abril, começou uma série de infortúnios, a doença passou de um membro da loja para outro, culminando com o falecimento de nossa amada professora. As horas passaram lentamente, alternando sono e inquietude, e na manhã seguinte nenhuma melhora foi observada. Trouxemos a grande poltrona de H.P.B para seu quarto e colocamos ao lado de sua cama, caso desejasse mudar de posição ou sentar um pouco.

Apesar de estar muito doente ela pediu que nós a informássemos de tudo que estava acontecendo, e demonstrou triste preocupação ao saber que outro membro, o Sr. Sturdy, também estava acamado com influenza; quando foi sugerido que o Sr. Mead trouxesse Sr. Sturdy para a sede, para que ele também pudesse receber todo cuidado, ela ficou muito feliz e pediu que fizéssemos isso logo por ele.  


H.P.B passou um dia de longo sofrimento, e quando Dr. Mennell chegou ao entardecer ela estava abalada ao saber que a febre estava ainda muito alta; ele mudou a medicação e lhe deu um preparo de ácido acetilsalicílico (salicene), sendo necessário reduzir sua temperatura. Ele deixou orientação de sempre tirarmos a temperatura dela antes de cada dose do remédio, e observarmos caso a temperatura caísse demais, pois isso seria perigoso e deveríamos parar com a medicação. Antes da hora da terceira dose a temperatura dela já havia baixado bastante, e ela estava sentindo efeitos colaterais da medicação, então achei justo não dar a terceira dose. Foi um alívio quando o Dr. Mennell retornou e confirmou que estávamos agindo corretamente.

Ela passou uma noite relativamente tranquila e na terça-feira de manhã a febre tinha praticamente desaparecido; naquele dia e na noite seguinte tudo parecia estar bem, pois apesar da fraqueza ser inquietante, não haviam surgido mais complicações, e ela conseguiu se alimentar bem. Mas na quinta-feira, dia 30, H.P.B começou a sentir muita dor de garganta, e grande dificuldade para engolir; ela tossia muito e mal conseguia respirar. Na sexta feira ela estava pior ainda e quando Dr. Mennell chegou ele encontrou um abcesso peritonsillar (complicação de amigdalite) no lado direito da garganta dela; usamos alguns cataplasmas quentes na região e algum alívio foi conseguido. Durante a noite o abcesso estourou, uma noite pior se seguiu e durante a manhã havia um segundo abcesso se formando na garganta. Este estava localizado no tubo brônquico. Um dia e noite horrível se seguiu e no domingo, 3 de maio, H.P.B estava extremamente doente, sentindo muita dor para engolir qualquer coisa, não conseguindo alimentar-se e cada vez mais fraca consequentemente. Segunda e terça-feira passaram da mesma maneira, o abcesso desapareceu, mas os brônquios continuavam muito afetados e ela respirava muito mal. Não conseguia deitar-se. Ela lutou bravamente contra sua doença. 

Na quarta-feira, dia 6 de maio, ela vestiu-se e caminhou até a sala de estar e ficou descansando no sofá; à noite o Dr. Mennell considerou que ela estava um pouco melhor, não havia mais febre mas estava muito fraca e com dificuldade para respirar, e isso o preocupou. Diversas vezes H.P.B disse a ele que sentia que estava morrendo, e que não conseguiria lutar por muito mais tempo; mas ele, sabendo de seu histórico de ter-se recuperado quase que milagrosamente de doenças anteriores, ele não abandonou as esperanças; posso dizer que este era o sentimento de todos nós na casa, pois apesar de percebermos o quão gravemente doente H.P.B. estava, não conseguíamos acreditara que ela partiria.

H.P.B e G.R.S.Mead

Desde seus primeiros dias de doença H. P. B. perdeu todo o desejo de fumar seus cigarros. Quando a febre sumiu ela tentou uma vez, mas não lhe trouxe prazer algum e ela jogou-o fora. Ela sempre tinha algum cigarro pronto para quando o Dr. Mennell visitava, as vezes quando ela não conseguia, o Sr. Mead ou o Sr. Wright eram chamados para ajudar. Aquela quarta-feira a noite foi o ponto de virada da doença dela; por volta da meia noite ela piorou muito e durante uma hora parecia que ela estava morrendo mesmo; ela não tinha mais pulso perceptível, e parecia quase impossível para ela respirar. Após um tempo ela foi melhorando um pouco, e o perigo parecia ter passado. Na quinta-feira bem cedo o Sr. Wright foi buscar o Dr. Mennell; ele ficou um tempo conosco observando ela reagir à medicação que ele dera – ao longo do dia H. P. B. levantou-se e vestiu-se, e caminhou para a sala de estar; ela solicitou por sua poltrona e enquanto trazíamos ela permaneceu de pé, imóvel, segurando-se na mesa. Ela sentou-se na poltrona e tentou abrir um jogo de paciência; apesar do corajoso esforço, era bastante aparente que ela estava sofrendo imensamente, e que nada além de sua forte vontade estava sustentando ela; a grande dificuldade em respirar deixava ela com uma expressão triste de se ver.


Quando o Dr. Mennell voltou, ficou surpreso em vê-la sentada na sala e a congratulou, desejando-lhe força e coragem; ela disse “Eu faço meu melhor doutor”; sua voz era apenas um sussurro e o esforço para falar era exaustivo, pois ela não tinha fôlego. Mas ela podia ouvir e gostava de ouvir a conversação. Ela entregou ao Dr. Mennell um cigarro que ela preparou para ele, foi o último que ela enrolou. Após um tempo o Dr. Mennell perguntou a H.P.B se ela se importaria de receber o Dr. Miller, seu colega, e permitir que ele ouvisse seu peito e a examinasse; ela consentiu e logo ele chegou. Após examina-la, fomos chamados para conversar, eu, minha irmã Isabel Cooper-Oakley e os dois doutores. Dr. Miller estava muito preocupado com a condição de H.P.B, sua extrema fraqueza e a bronquite. Ele receitou uma medicação e logo após partir H.P.B retornou ao seu quarto. Ela estava muito cansada, mas ainda assim perguntou se os outros tinham melhorado e se haveria reunião da loja. 

Condessa Constance Wacthmeister


A noite seguinte foi a última dela conosco. Foi uma noite de muito sofrimento. Por não conseguir respirar ela não conseguia descansar em posição nenhuma. Ela acabou obrigando-se a ficar sentada envolta em travesseiros. Ela quase não tinha mais força para tossir. Por volta das 4h da madrugada ela parecia mais calma, e havia pulso, e daquela hora até as 7 da manhã, quando a deixei, tudo estava calmo. Minha irmã tomou meu lugar nos cuidados, enquanto eu ia descansar um pouco. Dr. Mennell apareceu novamente e ficou satisfeito em verificar um bom pulso nela. Ele me falou para descansar e disse que minha irmã poderia se ocupar com suas tarefas. As 11:30 da manhã eu fui acordada pelo Sr. Wright, que me chamou para vir imediatamente pois H.P.B havia piorado muito de repente, e a enfermeira achou que ela não aguentaria mais algumas horas. Assim que entrei em seu quarto vi o quão crítica era a situação. 


Mr. Wright

Ela estava sentada em sua cadeira e eu me ajoelhei a sua frente e pedi que ela tentasse tomar o remédio; apesar de estar fraca demais para segurar o copo, ela permitiu que eu derramasse em seus lábios e ela conseguiu engolir; mas após isso conseguimos apenas dar-lhe um pouco de comida na colher. Então percebi uma mudança, e quando tentei umedecer seus lábios eu vi que seus olhos estavam ficando apagados. Ela manteve sua consciência até o fim. H.P.B tinha o hábito de mover um pé enquanto pensava, e ela continuou a mover o pé até parar de respirar. Quando toda esperança havia esvaído-se, a enfermeira saiu do quarto, deixando C. F. Wright, W. R. Old e eu com nossa amada H.P.B. Os dois ajoelharam-se ao seu lado segurando sua mão e eu sentei ao seu lado e apoiei sua cabeça; ficamos assim por muitos minutos, H.P.B faleceu tão quieta que mal percebemos o momento que ela partiu de fato; um grande sentimento de paz preencheu o quarto e nós três ficamos lá em quietude até que, primeiro minha irmã e então a Condessa chegaram. Era 8 de maio de 1891.


Eu havia telegrafado a eles e ao Dr. Mennell quando a enfermeira disse que o fim estava próximo, mas eles não chegaram a tempo de vê-la. Não perdemos tempo em lamúrias vãs, tentamos pensar e fazer aquilo que ela gostaria que fizéssemos na dada circunstância, e sentíamos gratidão por ela ter se libertado de todo aquele sofrimento. O raio de luz na escuridão de nossa perda parecia ser que tínhamos esperança de continuar o trabalho dela, e que ela poderia partir em paz. Ela confiou a nós, seus discípulos próximos, o serviço da causa a qual ela dedicou sua vida, e a profundeza do nosso amor e lealdade será medida com nosso trabalho.

Laura M. Cooper.

*tradução Alaya Dullius



Após sua morte, seu corpo foi cremado no crematório de Woking, onde G.R.S. Mead conduziu uma bela leitura em seu funeral. Leia o discurso dele aqui: https://viveka1.blogspot.com/2019/11/discurso-de-cremacao-de-helena.html

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Ganância espiritual e querer dominar tudo sem ser profundo em nada

Sobre "Gula" espiritual e superficialidade
*Por Bruno Carlucci


Há muito tenho evitado postar sobre espiritualidade em redes sociais, pois aqui as coisas se banalizam ou acabam em discussões infrutíferas. Não tenho necessidade de convencer ninguém, nem estou disposto a ser convencido por ninguém. Nem esse texto é uma indireta específica direcionada a alguém. É só um desabafo/reflexão mesmo a que cheguei esses dias: Uma das coisas que mais me preocupa na tentativa de estabelecer uma rotina de estudos e de vida coerente com a busca espiritual são a dispersão e a gula. Tempo e foco são um problema. Não chegamos a lugar algum na vida sem foco, sem metas claras e temos que usar o nosso tempo para isso, claro, tudo amparado por uma reta motivação, uma ética adequada. Ensina o budismo que tempo é uma das coisas mais preciosas que temos, pois nunca sabemos o dia de amanhã.
Mesmo que nenhuma tragédia aconteça, pode vir um novo emprego, um filho, um casamento, um compromisso da vida diária que reduz o tempo que temos para nos dedicar ao estudo e à prática. Percebo uma "culpa" teosófica em muita gente e em grupos que sentem que precisam estudar uma legião de tradições espirituais ao mesmo tempo e o foco se perde. A culpa é alimentada por uma gula, porque de fato há muitas tradições idôneas que precisam ser estudadas, mas com a gula se busca abraçar tudo e a dispersão e a confusão só aumentam. Acabamos com um exército de doutores em tudo e em nada ao mesmo tempo.
As pessoas se apegam aos conceitos, se apegam à imagem de "ser alguém que estuda muitas tradições e entende de todas elas" e daí vem um ciclo vicioso, em que as pessoas estão sempre pulando de galho em galho e voltando para o galho anterior, reciclando as mesmas palestras, a mesma verborragia de conceitos e bate-boca, porque já são "doutoras" e já dominam tudo, mesmo que na verdade nem tenham uma ligação, um vínculo com aquela tradição, mas em sua dispersão se enganam e se convencem de que se identificam com tudo.
Ou pior, a gula gera vaidade e a vaidade faz com que a pessoa queira falar até mesmo do que não estudou, ou do que só estudou "superficialmente" e daí vem o plágio, começa-se a roubar a experiência, a fala das outros. O noviço (às vezes nem isso) quer se mostrar tão doutor quanto o Lama. A vaidade gera a mentira, a pessoa quer ser admirada, adulada, gosta de sair contando por aí acerca dos elogios que recebeu, gosta quando a comparam e dizem que sua palestra foi melhor que a do fulano, que o seu texto está impecável, que a sua tradução não tem erros, seus olhos brilham quando alguém lhe promete um cargo ou uma posição de destaque no grupo.
A pessoa passa a se achar "o senhor do primeiro raio", a raposa que lidera as ovelhas, na ânsia de compensar algum tipo de carência ou frustração mal resolvida na vida pessoal ou profissional, ela começa a competir com os outros para ser o centro das atenções e derrotar os seus rivais. Então, inconscientemente e, cada vez mais, conscientemente a pessoa se volta contra aqueles que a ensinaram, contra seus colegas, contra as inclinações naturais de sua própria alma e abrem-se as portas, para a pessoa que é doutora de tudo, "senhora do primeiro raio", projeto de Avatar e salvador da humanidade, cheia de gula e de raiva, arrogância e megalomania, a se dispersar ainda mais e começar a espalhar ensinamentos distorcidos.
Começa com um pequeno desvio aqui e ali, na ânsia de se mostrar autoridade daquilo que ela não domina, e acaba por, nos casos mais graves, a explorar caminhos não-idôneos e experimentar toda a severidade com que o Senhor do Tempo lhe presenteará em resposta. Pois este é um deus que não perdoa. E mais uma vida se vai, mais problemas para a próxima. Assim a roda gira.
 

Se a sua alma não grita, se o seu coração não chora por um determinado assunto, por uma determinada tradição espiritual, não considere a si mesmo especialista ou interessado em algo que não é, pois curiosidade não é interesse. Não banalize o que é sagrado. Não engane os outros, nem a si mesmo. 
Se não há reta motivação, ética, coerência mínima com que se pretende ensinar, silencie. Não prometa o que não pode oferecer. Vivemos em tempos de muitos pretensos especialistas e pouco estudo, muitos falantes e poucos ouvintes, muita dispersão e barulho, mas pouca reflexão e silêncio. 

Outra coisa que tenho pensando em conversas com amigos: claro que na história houve contatos entre diferentes tradições, mas os Iniciados de cada tradição se focaram e se especializaram naquela tradição a que estavam mais vinculados e, certamente, não por preconceito, mas porque muito dificilmente alguém consegue se aprofundar igualmente em vários caminhos ao mesmo tempo. Não vejo nada de errado em estudar mais de uma tradição (até porque eu mesmo faço isso), até para comparar e aprender coisas que podem ser úteis para a aquela tradição principal, aquela que mais grita no coração. Claro que podemos nos identificar com mais de uma, afinal, estamos aí renascendo a todo século (não, não acredito literalmente no papo de 1000 anos de "devachan", sinto muito), mas aí temos que ser sinceros conosco e refletir sobre o que, na vida presente, vibra mais em nossa mente, em nossa alma.
A maior parte dos casos de pessoas que vejo dizerem se identificar igualmente com todas ou estão confusas e se desviando de um trabalho que poderiam fazer com aquela que lhes traz mais clareza ou usando a curiosidade como rota de fuga para não terem de se aprofundar num determinado caminho. Claro, conheço exceções, mas são casos de pessoas realmente excepcionais que saem do universalismo superficial e têm um discernimento que poucos têm, além da "sorte" de ter muito tempo disponível e disciplina para usá-lo.

HPB diz num texto que muitos iniciados têm um intelecto abaixo da média, pois o mais importante no caminho é a pureza de princípios, a sinceridade na busca, uma boa intuição e discernimento. Claro que desenvolver e usar o intelecto é útil e importante, mas não dissociado desses outros pontos.