segunda-feira, 29 de março de 2021

Pneumofagia espiritual.

Pensando no estudo da filosofia e da espiritualidade, me veio à mente a antropofagia, não a dos canibais ou de Oswald de Andrade, mas o sentido de se tornar preenchida com o que se busca. De se alimentar mesmo daquilo, o "pão da vida" dos cátaros. É sobre não ler apenas com os olhos, ou o cérebro, mas assimilar, digerir, transformar.

Leio o Buda e quero meditar. Leio Plotino e me levo a contemplar. Porfírio, Ficino, reforçam meu vegetarianismo, e os manuscritos de qumram despertam em mim um anseio por uma vida retirada. Quando leio Tereza d'Ávila quero encontrar o amor do Cristo e apenas isso, e o druidismo e cristianismo celta me fazem querer andar entre bosques e clareiras e contemplar a Natureza, enquanto a literatura do graal me mergulha num mundo de símbolos da alma ansiosa por aventuras. Jesus exorta "não seja hipócrita, e não siga a dois reis, arranque o joio do trigo". Cada filosofo, sábio, mestre e instrutor me inspira em alguma forma. Cada ensinamento me toca com sua ênfase virtuosa, contemplativa, filosófica, mágica, transformadora. Assim eu faço antropofagia dos meus "mestres", assim eu permito que me transformem.

Essa perspectiva não cabe mais em cadeiras universitárias e longos simpósios com especialistas em jâmblico que nunca participaram de um Rito, especialistas em Plotino que tem os corações congelados para a mística contemplativa, especialistas em budismo que nunca sentaram para meditar, doutores em porfirio que nunca se abstiveram de carne um dia sequer, mestres em Platão que não acreditam na alma...

São só exemplos.. Mas hoje me é claro, é preciso engolir, deixar que transforme, de dentro para fora, é preciso devorar, se permitir ser tocado pelos vislumbres daquelas sabedorias, se alimentar sem medo desse banquete de deuses.

Senão é tudo teatro, teatro vazio de uma verborragia estéril...
A vida é curta para ficarmos sempre pisando em ovos. Deixe que se quebrem, assim fazemos nossas escolhas. Com passos firmes seguimos, os ovos irão se quebrar, paciência.




Shams de Tabriz, mestre sufi, diria que precisamos saber quem somos, não importa como os outros te tratam. Sermos absolutamente sinceros conosco é o caminho para o amor. Aprendemos a ser gratos pelos espinhos que nos atiram "pois é um sinal que brevemente será banhado em rosas".
Faça "antropofagia" e não tenha medo de seguir os passos dos mestres, as cascas finas escondem ovos podres. Aquele que busca a verdade não teme a falsidade. Não dá para passar a vida em passos leves. E com a energia da confiança no ensinamento, pode seguir com passos firmes, transformando-se a cada nova 'refeição'.


Pneumofagia