terça-feira, 20 de julho de 2021

O que a Sabedoria (Gnosis) significa para mim - por G. R. S. Mead.

 Qualquer tentativa de um indivíduo apreciar, de forma justa, o real valor da Sabedoria, da Iluminação ou da Gnosis Espiritual, em virtude da natureza das coisas, está destinada ao fracasso, pois tal julgamento amplo de seu real valor demandaria um conhecimento, não só do que a Sabedoria significa no cômputo geral das coisas, mas também do que ela operou na natureza de cada indivíduo sob sua influência.

Nenhuma avaliação adequada do verdadeiro valor da Gnosis Espiritual pode ser estabelecida, mesmo pelos indivíduos mais bem dotados, pois tudo o que ele pode dizer é simplesmente seu próprio louvor particular, uma avaliação que não pode diminuir em nada o louvor dos outros ou apropriar-se de suas canções de agradecimento. Todas estas devem ser combinadas para formar a grandiosa totalidade; todos devem cantar juntos para completar a grande sinfonia de alegria, os agradecimentos de coração de todas as almas despertas para a infinita variedade da Sabedoria Divina.

Qualquer um que procure determinar o valor deste ideal só pede fazê-lo para si, estimando-o a partir de seus próprios padrões, de acordo com sua ideia do que ele é e de acordo com seu conhecimento do que tenha operado em si mesmo.
Se um homem não valoriza a Gnosis Espiritual para si mesmo, não pode valorizá-la para os outros. Pois a verdadeira Gnosis é precisamente para todos a mais valiosa de todas as coisas, já que é a Sabedoria que desvela o mistério do bem e do mal aparentes, para a satisfação completa de corpo, alma e espírito com o estado das coisas como elas são.
Portanto, nesta aventura procurarei descobrir, num relance momentâneo de pequena extensão, o que a Gnosis Espiritual significa para mim. Já permiti, acima, que a atmosfera de sentimento em que se banha meu pensamento, ao contemplar este ideal, fosse vislumbrada.

A avaliação da Gnosis Espiritual para mim é, assim, um puro louvor à Sabedoria. Só tenho glorificações. para ela; minha dificuldade é não poder louva-Ia o suficiente. Não tenho nada de mal para dizer a seu respeito, pois é a energização do Bem; nenhuma crítica a fazer, pois ela transcende meu julgamento; nenhuma depreciação a oferecer, pois ela está além do louvor. Meu entusiasmo sobre o assunto é absolutamente sem reservas.

Talvez em sua sabedoria, você possa pensar que sou tolo sendo tão entusiasta a respeito de algo. Porém, meu ideal da Sabedoria é 'absoluto' e, inevitavelmente, deve ser dessa forma, pois é isso que vai tornar-me verdadeiramente sábio e livre.

Você realmente não imagina que sou tão medíocre a ponto de permitir que qualquer outra pessoa defina Sabedoria para mim e imponha sua noção das coisas ao meu universo, faça misérias com meu céu e me faça, doentiamente sofrer a paixão de um martírio intelectual e espiritual, quando minha Sabedoria me ensina, como uma de suas primeiras lições, a estar preparado, a qualquer momento, para mudar meu ponto de vista e a reajustar-me.

Não. Mesmo uma criança nesta Gnosis Espiritual é suficientemente grande para ter um universo próprio sem qualquer interferência de fora, pois um universo, na verdade, não tem exterior.

Qualquer que seja a razão que leve um homem para fora de seu pequenino eu, restituindo-o ao seu Ser Interno, mesmo que por um só instante, é a energização da Gnosis Espiritual nele. Este impulso divino, pode ser transmitido pela compreensão de palavras escritas ou faladas ou sem a mediação de nenhuma palavra como as conhecemos - por meio daquelas inteligências aladas que não têm vozes para os ouvidos físicos, mas que falam a linguagem universal da alma.

E qual é o valor e o significado deste mistério? Como podemos avaliar uma tal riqueza de significado, este valor inestimável, quando o Espírito de Deus o Alento Divino, começa a exalar-se auto-conscientemente na essência do ser do homem? Como podemos estimar esse bem em termos de valor humano, quando cada um desses termos já foi exaurido na avaliação da simples dádiva da Vida, mesmo em seu modo de vida-na-morte e de morte-na-vida, o qual os homens se apegam como o mais precioso de todas suas posses?

Vamos refletir sobre a canção incessante que a Natureza canta em louvor à Vida, a Vida mesmo em suas conhecidas fases, desde a planta ao homem, da alegria da Vida quando ela percorre as veias físicas. Então, vamos pensar sobre esta Vida, não mais como desconhecida ou subconsciente, mas como impregnada com a Luz da verdadeira inteligência e, assim, fazendo nascer dentro da essência do homem uma maravilha, um ser de uma natureza nova, um homem-deus, de poder e faculdade super-humanos que, de sua própria natureza, canta uma canção infinitamente mais sábia do que qualquer homem pode cantar, pela compreensão do valor e significado do real; não em louvor de algum bem selecionado em particular, de acordo com a visão humana limitada do que é bom e do que é ruim, mas louvando as coisas como elas realmente são, uma canção natural que deve ser entoada logo que a possibilidade deste significado comece a ser entendida e os segredos do Propósito Divino principiem a revelar sua presença oculta em todas as coisas - boas e ruins para a dualidade do bem e do mal a que chamamos homens.

Você talvez esteja dizendo: Isto não é possível. Eu me aventuraria a responder: É inevitável; é o destino glorioso do homem, predeterminado pela Sabedoria.
Talvez você replique novamente: Isto não pertence à ciência, mas à fé - a malha sem base tecida por sonhos apaixonados de imaginação desvairada e muito distante de qualquer realidade quanto aos fatos e à experiência.
Eu diria: não tenho vergonha de uma fé que deixa corada toda a assim chamada ciência. Só a fé pode remover as montanhas de nossos preconceitos atuais que circundam o horizonte de nossa ignorância; a fé espiritual é a precursora da Gnosis. Esta fé é a que nos faz agir com retidão e é somente através da reta ação que este conhecimento divino se torna acessível.

Fé é vontade compelidora; não uma crença neste ou naquele credo, mas a determinação do ser humano em terminar a ilusão de sua crucificação atual na cruz dos opostos e, assim, elevar-se até um conhecimento da realidade da Grande Paixão que sente por tudo o que vive e respira e à intuição do Grande Drama em que o Único Ator representa, por meio de todos os corpos no universo. A Vontade está além de todos os pares de opostos; dentro dos pares tudo é desejo.

Tal fé na verdade dominante do potencial divino do homem não nasce da ignorância, mas do conhecimento existente. A ignorância não pode produzir fé, ela gera crença; a fé vem da vontade, não do desejo. E o que nos faz agir sem apegos; e a ação é a linguagem de nosso Deus, o discurso que Deus pode compreender em todo seu significado, enquanto nós homens podemos compreender somente uma porção dele.

Assim, meu ideal mudou para mim o valor de muitas palavras. Outrora eu dava pouco valor à fé, agora estimo muitíssimo; antes dava muito valor ao conhecimento, agora o estimo menos.
Porém a fé a que dava pouco valor não era a Fé, era uma noção falsa do que ela significa - a noção confusa de que o somatório de uma série de crenças resultaria na convicção.

Entretanto a Fé é de uma outra categoria; pertence à vontade e ao ser, não ao intelecto e ao desejo; é imediata e não depende do tempo. Assim é também com o conhecimento; o conhecimento, como humanamente concebido, é deduzido e não imediato, é um processo intelectual e não a expressão da Sabedoria na ação, que é Gnosis viva.

Sabedoria já significou muitas coisas para mim; de fato, chegou finalmente a significar tantas, que minha razão percebeu que não havia nenhum plano possível de abarcar a todas - sua variedade era tão grande que fiquei perdido numa infindável diversidade de detalhes.

Agora, a Sabedoria significa somente uma coisa; mas esta não é uma das muitas coisas, pertence a outra categoria. É uma vontade, não de conhecer, mas de ser; é a segurança de que Gnosis é realização. Esta fé representa a morte do conhecimento convencional e o nascimento da Sabedoria.

Quanto mais você absorve essa Sabedoria, ou Gnosis Espiritual, mais ela lhe absorve. Você não consegue se cansar dela; isso é impossível, pois ela é um perpétuo revigoramento, sua natureza é de sempre renovar. É o segredo da eterna juventude dos deuses, a panaceia para todos os males, o elixir divino, o segredo da pedra filosofal.

De minha parte, é difícil agora compreender a total vacuidade e ausência de sentido de minha vida antes de vir a saber sobre esta Busca. Inicialmente, quando abri meus olhos, eu era como uma criança sem discernimento. Estava faminto e havia muita comida empilhada em muitas mesas. Comecei o trabalho por prová-la mentalmente; lia com voracidade, devorando tudo o que chegava ao alcance de minhas mãos.

Que indigestão tive! Vidas de místicos, santos e 'adeptos', filosofia da Índia e budismo, religiões e mitologias de todos os tipos, magia e artes ocultas, cabalismo, misticismo e gnosticismo, os mistérios e sociedades secretas, espiritismo, mesmerismo e hipnotismo, críticas bíblicas e heresias de todos os tipos.

Eu era jovem e inexperiente e estava 'esfomeado'! Não houve nenhuma 'introdução', nenhum mapa do mundo desconhecido, nenhum catálogo esclarecedor sobre os melhores livros a serem estudados. Fui solto no meio de tudo isto e 'comi' muito.

Mas, ainda assim, pense no que isso significou. É bem verdade que tudo ainda era um caos para mim - mas que caos! Era como um tipo de substancia viva com que me alimentar, um caos à medida que eu ainda não tinha o apropriado poder de seleção e discernimento, na profusão demasiadamente grande do banquete. Porém, mesmo assim, foi uma amostra das coisas boas do Lar e que fez com que o filho pródigo exilado compreendesse, de uma vez por todas, o vazio total das cascas mortas do convencional, que por tanto tempo tinha sido sua refeição diária.

Foi o começo de uma vida absolutamente nova em que, inicialmente, a pessoa era naturalmente como um bebe. Porém, isso era vida e não morte, estar acordado e não sonhando. Gradativamente os poderes do discernimento começaram a despontar. O sabor, o gosto inato da alma, desenvolveu-se por meio da amostragem dos muitos pratos colocados à minha frente e, gradualmente, comecei a selecionar as formas de alimento mais puras, os maiores provérbios e ensinamentos internos das gnosis e teosofias das grandes fés do mundo.

No meu caso, o que foi inicialmente um deleite intelectual, começou, de forma gradual, a se apossar de minha natureza emocional. Sobre este aspecto da questão não me parece apropriado e correto falarmos em termos de experiência pessoal. Apresentar o coração em público me parece mais um sinal de emoção superficial do que uma revelação das profundezas da verdadeira paixão.

Existe uma hesitação natural em exibir, aos olhares da multidão, os segredos do santuário do coração. Por outro lado, as opiniões da cabeça são geralmente muito melhores para a dura crítica do mundo, pois essas têm que ser quebradas em pedaços ou devidamente modeladas na forja, na luta e disputa com outras opiniões. Contudo, os delicados pensamentos do coração, as esperanças amorosas da esposa fiel do espírito, não são para outros ouvidos a não ser os dos amigos e parentes espirituais.

E, no entanto, é precisamente nestes mesmos carinhos e amores do coração que o poder da vida espiritual manifesta-se mais poderosamente à autoconsciência. Este poder transfigura toda a natureza; a mente formal segue atrás dele, ansiosa por moldar-se na imagem de seu amor.

É o Poder do Pai na Mãe que leva ao nascimento do Filho. É o poder do amor dentro da mente formal que a organiza a partir de dentro, como ocorre com o Cosmos da Grande Mente, enquanto o conflito das opiniões contrárias externas oferece a resistência conveniente para o molde.

Realmente, não é apropriado exibir as operações secretas do mistério interior - não é apropriado porque nenhuma descrição pode fazer algo além de diminuir a beleza da realidade da atividade interior divina. Pois esta atividade interior é a energização da própria Beleza, que transforma a natureza desorganizada e sem adornos numa cópia de si mesma, a ordem harmoniosa e o encanto cósmico do Filho de Deus.

Essa compreensão viva do significado da Sabedoria não é derivada de livros. Dos livros podemos apreender intelectualmente a teoria, mas para ser compreendida, a teoria deve, primeiramente, ser posta em prática, agindo corretamente. A ideia da teoria nos impressiona, então imaginamos ou projetamos a imagem dessa ideia em nossas mentes e, ao imaginá-la assim, por uma magia de simpatia, sentimos o poder e, ao senti-lo, agimos segundo ela. Então, e somente então, ao atuar assim começamos a conhecer a partir do verdadeiro conhecimento gnóstico.

Mas como é possível transmitir aos outros, com emoção, o que uma afirmação aparentemente ousada como esta significa para a pessoa que experimentou mesmo um pequeno momento de um tal êxtase? Como pode qualquer pessoa expressar, dada a aparência das coisas, as profundezas de significado que uma tal paixão gnóstica ou realização espiritual contém?

Apesar de estar longe de qualquer pretensão da plena realização de tão exaltado êxtase, posso, no entanto, sentir o suficiente a seu respeito para tornar-me inteiramente convencido de que, se eu pudesse transmitir a outra pessoa, num único relance, o conhecimento de todos os livros e artigos que escrevi e de todas as palestras dadas sobre este assunto, isso não teria exaurido nem mesmo o significado superficial do que a Gnosis significa para mim.

Sei que, até agora, nem mesmo comecei a expressar adequadamente o que isso de fato significa. Encontro-me ainda incapaz de articular a verdadeira linguagem da Sabedoria, só consigo articular interjeições e pronunciar exclamações.

Quanto mais compreendo sua grandeza e poder, seu valor inestimável e sua inevitável satisfação, mais me convenço de como está inteiramente além de qualquer poder humano de expressão adequada. Todo o universo expressa Sabedoria, canta e louva a Sabedoria. Ela é revelada tanto na tolice dos homens como na sabedoria da natureza, para a visão de Deus e daqueles Seres Abençoados que têm a pura visão.

"Deus, em Sua Sabedoria, criou os céus e a terra" e tudo o que ali se encontra. A Mãe de todas as coisas é a Sabedoria, de fato e não metaforicamente. A Sabedoria é a esposa e complemento de Deus como Criador, aquilo de que a Deidade Se preenche.
São somente as ideias vivas que crescem e têm o poder de se reproduzir e é ao cofre dos tesouros de tais ideias vivas, as sementes sem preço do Semeador Divino, que a sagrada Busca da Gnosis e da auto-realização nos conduzem.

O tratamento mecânico sobre o que outros escreveram ou falaram, sem o poder de transmitir o espírito vivo do pensador ou vidente, é como traficar com ideias estéreis ou mortas. Isto realmente não é gnosis humana, pois não existe sabedoria consciente nisto, é exclusivamente o trabalho de transmissão elementar - uma coisa excelente em si, extremamente útil, mas não é o trabalho dos homens que se auto-descobriram. Gnosis Espiritual deve ter vida, bem como luz, uma sem a outra é caótica ou estéril.

Todos os ensinamentos, todas as instruções da Gnosis Espiritual sobre inúmeros problemas podem ser resumidos em uma ideia viva, a mais poderosa semente do grande celeiro a ser plantada na mente devidamente preparada do homem. E esta ideia-mestra é que o homem é potencialmente Divino.

Esta semente de Gnosis, este poder de crescimento ou aperfeiçoamento na Sabedoria de Deus, é o verdadeiro homem realizando a si mesmo na alma de sua natureza purificada - o que significa uma natureza capaz de sentir todos os opostos num estado equilibrado que os transcende e, dessa forma, proporciona o terreno do Conhecimento Espiritual, ou Gnosis da mente esclarecida ou reabilitada.

Repito então, para a Sabedoria só tenho louvor. A Gnosis Espiritual deve ser vivida para ser conhecida, pois vivendo-a a pessoa vive sabiamente e, vivendo sabiamente, alcança a verdadeira felicidade. Alcançando a verdadeira felicidade, entoa canções de agradecimento a Ele que, por Sua Sabedoria, fez todas as coisas.

Entretanto, não estou sugerindo, nem mesmo por um instante, que é pelo fato de ter passado por estes altos estágios que louvo a Sabedoria. Louvo-a porque não posso agir de forma diferente, baseado na simples imaginação do que ela significa.



Capítulo de “A Gnosis Viva do Cristianismo Primitivo”
Copilado do livro “Some Mystical Adventures” de G. R. S. Mead