terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Ética, a Morada da Consciência.


Ética – a luz da consciência.
Aláya Dullius
2010

A palavra ética foi usada pela primeira vez, dando o sentido que hoje a deveríamos ter, pelo filósofo pré-socrático Heráclito em sua célebre sentença grega “ethos antrophos daimon”, significando a luz que habita no homem. Ética em uma tradução livre, seria justamente isto, a luz da consciência que habita no homem. Posteriormente temos a introdução do termo latino “moralis”, que indica costumes, regras, modo de vida. 


Sendo assim, é possível perceber que a moral, referindo-se a regras de conduta, está subordinada a seu período no tempo e na história, delimitada por culturas. Porém, a ética, sendo a própria consciência humana, traz em si um caráter mais universalista, pois a humanidade, sendo uma só, não poderia trazer intrinsecamente consigo ‘éticas’ diferentes. Dessa forma podemos entender que é possível alguém ser imoral e ético ao mesmo tempo, o mesmo se dá com o oposto. É possível ser moral, e anti-ético.
Nossos valores foram passados por nossos pais, somos também fruto da sociedade em que vivemos, da educação e influências que recebemos. Um vegetariano por exemplo considera anti-ético alimentar-se de outros animais, seja por que entende que a vida destes não lhe pertence, seja porque não concorda com o modo extremamente brutal e violento com que estes são abatidos industrialmente em larga escala, sem o menor respeito por suas vidas e consideração por seu sofrimento desnecessário. Para essa pessoa, abster-se de um hábito considerado moralmente aceitável em sua sociedade, é uma questão de ética pessoal. 

Em culturas de certos países, é moralmente aceitável que um marido traído, por questão de honra, condene sua mulher à morte. Mas será ético matar alguém, ou punir gravemente alguém, por uma questão que diz respeito à relações pessoais e ao orgulho? Os pais baterem em seus filhos com o propósito de educação também é ainda considerado por muitos como algo correto, contudo, os estudos psicológicos demonstram que a punição física não só machuca como humilha a criança, podendo ser causa de problemas psicológicos e inseguranças, e portanto, não é uma atitude ética, visto que temos a inteligência e a capacidade de elaborarmos alternativas mais contundentes e amorosas; sem contar que é uma tremenda covardia agredir alguém mais fraco e incapaz de se defender e que precisa de ajuda para aprender a lidar com suas emoções. 
A mutilação genital de meninas africanas não é vista com horror pela maioria dos membros da cultura onde esta prática está inserida, mas para nós provavelmente seria tratada como crime de tortura. Dois séculos atrás, ser dono de seres humanos, feri-los, explorá-los e humilha-los não era visto como absurdo em nosso mundo. O simples fato de termos uma cor de pele diferente nos colocava moralmente numa situação em que ser anti-ético com outro ser humano era visto como normal. Em um futuro próximo o ato de comer animais ou praticar pesca desportiva por exemplo poderá ser visto como uma brutalidade grotesca e desnecessária, assim como é vista a escravidão nos dias de hoje (apesar do racismo estrutural que infelizmente permanece..)!
Percebemos então que a moral está vinculada diretamente à regras que regem o convívio na sociedade, dentro de suas determinadas culturas e épocas, e é, portanto, relativa. Já a ética evoca um sentido mais abrangente, que diz respeito principalmente ao respeito à Vida, com V maiúsculo. Ao que alguns filósofos chamam de Vida Una.  Na filosofia antiga, como por exemplo entre os neoplatônicos, há a ideia de que antes da manifestação do cosmos, isto é, do mundo ordenado, havia uma grande Unidade. Sendo Una, era indiferenciada, e continha em si todas as possibilidades. Nós seriamos centelhas dessa “Alma do Mundo” e a ela deveríamos buscar retornar. Compreender isso geraria nas pessoas, idealmente, uma ideia de fraternidade, de origem comum.
Talvez seja essa fraternidade que esteja sendo estimulada nas célebres sentenças cristãs “amai ao próximo como a ti mesmo” e “não fazei ao outro o que não gostaria que fizessem contigo”. Ora, isso não é uma regra moral, é ver a si mesmo no outro, perceber que estamos unidos, e portanto, somos indiferenciados. Ao fazer o outro sofrer estaríamos causando dor a nós mesmos. Na tradição budista há uma ideia fundamental sobre a interdependência, sobre essa rede que nos conecta, tornando o individualismo egoísta sem sentido.
A ética, estando no âmbito da consciência, pode ser despertada através não só de uma compaixão natural, mas de uma sabedoria que percebe essa interdependência e respeita a vida no outro pois reconhece no outro o divino que há em si também. Este é o sentido de ‘namastê’, o reconhecer a si no outro. E sendo este reconhecimento sincero, a ética surge como uma atitude natural do ser humano, que vai procurar buscar sempre agir em direção ao Bem (como diria Platão), não por que uma regra assim lhe ordena, mas por que é a única atitude que faria sentido. Dessa forma, a pessoa que desperta a luz em sua consciência, passa a se colocar como parte de um todo, um agente ativo e empático no mundo. E suas ações não se limitarão à condutas sociais, pois esse respeito à vida abarca todas as formas de vida.
Essa empatia é essencial no trato com aqueles que sofrem. Quando nos colocamos como mediadores de cura devemos seguir algumas condutas morais, mas mantendo sempre um embasamento em um sentido ético, de respeito ao ser que busca nosso auxílio. Dentre as condutas mais citadas está o sigilo quanto às informações confidenciadas pelo paciente e uma postura de respeito tanto à condição física quanto psicológica daquela pessoa. Se colocar como um instrumento de cura, ou que auxilia a auto-cura de alguém, é como tentar ser uma vela que ilumina um caminho, já que não podemos ser o sol, e permitir que a pessoa ande por este caminho e possa ela também, por sua vez, iluminar os outros.