terça-feira, 13 de outubro de 2015

O I-Ching e o silêncio interno - um porta-voz do inconsciente

O I-Ching sempre foi muito presente em minha vida, marcando grandes mudanças na vida familiar. Lembro do barulho das moedas caindo na mesa do meu pai, fechado em seu escritório. Me sentia movida por curiosidade, e o "ar" sério que a casa emanava naqueles momentos me deixava ainda mais interessada. O I-Ching, seja como "oráculo" ou porta-voz do inconsciente marcou mudanças na minha infânia e adolescência, época em que pedi a minha mãe que me ensinasse a jogar com esse livro. 

Foi só mais tarde que comecei a entender de fato o que era o I-Ching e como ele funcionava e a seriedade que deveria se observar durante o processo. Muita gente acha que basta fechar os olhos e abrir uma página para cair um “I-Ching do dia” para ela – e inevitavelmente isso exclui bastante os hexagramas finais e iniciais, sempre acabam tendo menor chance devido ao processo mecânico. Outros acham que o livro é uma espécie de “oráculo místico” que vai trazer “mensagens do além”. É preciso, antes de tudo, compreender o processo para que o I-Ching tenha uma real utilidade.

Talvez para certas pessoas, e em alguns casos extraordinários haja “agentes espirituais” externos a nós orientando uma resposta que exija tal atenção. O próprio Jung usa essa expressão em seu prefácio ao livro. Porém, ordinariamente, considera-se que o I-Ching é uma porta para o inconsciente. É comum que nosso consciente intelectual, racional, impeça a expressão natural do fluxo da vida, sendo assim, o I-Ching serve como uma porta de acesso ao nosso mundo interior, ao que o inconsciente tenta manifestar mas que o consciente, munido de moldes ocidentais de como deve ou não ser a vida, munido de pré-conceitos, impede.

A maioria de nós tem grande dificuldade em perceber os vários sinais que a vida nos dá. Temos de antemão expectativas de como as coisas devem ser, e moldamos nossas ações a partir disto. Dificilmente paramos para perceber esse fluxo continuo de nós mesmos, de mudanças, de aprendizados, de novos momentos, que exigem novas reações. Queremos olhar para a vida como uma cartilha pronta, e quando esta começa a apresentar dificuldades a nós, causando dor, aí temos que tomar decisões. E quando essas escolhas se apresentam, o I-Ching pode auxiliar em entrarmos em contato conosco mesmo, e tomar uma decisão que respeite esse continuum da vida, nos despojando dos conceitos e ouvindo a própria consciência. Porém não é tarefa simples silenciar a mente tagarela e conseguir perceber as situações com clareza. Perceber as sincronicidades da vida que fogem à cartilha.
O I-Ching é semelhante aos sonhos no sentido de trazer a tona o conteúdo inconsciente e a sabedoria inata em nós – Platão mesmo já dizia que já sabemos as coisas, apenas precisamos nos relembrar. Ao interpretar um sonho corretamente podemos compreender um pouco mais sobre nós, nossos anseios, nossos entraves e escolhas. O I-Ching, com todo o simbolismo dos hexagramas e as imagens mentais que estes formam, são como sonhos carregados de mensagens que ali estão para que as interpretemos.

Talvez o principio seja o mesmo do da cinesiologia que encontra resposta no tônus muscular do próprio corpo do indagador ou no movimento de um pêndulo. O corpo sabe o que é melhor para ele, a mente sabe responder a suas próprias questões. Somos nós que temos dificuldade de ouvir e por isso precisamos desses intermediários como o I-Ching.

Algumas pessoas são bastante sensitivas, e conseguem perceber o Qi com facilidade. Há quem relate que os objetos guardem uma espécie de “memória magnética” daqueles que os carregaram um dia; e uma pessoa apta seria capaz de conhecer a história de tal objeto (e de seu dono) apenas com o ato de tocá-lo. Talvez seja devido a isso que sugere-se que as moedas (ou varetas) com as quais o I-Ching é jogado sejam usadas apenas para esse fim, e sejam sempre as mesmas, e sejam pessoais. E que as varetas devem ser de uma madeira nova, feita exatamente para isto (e as moedas desmagnetizadas com água e sal). E que a caixa onde se guarda o livro deve estar isenta de outros magnetismos, de outros objetos que poderia ter guardado. As respostas do I-Ching não devem ser respostas aleatórias. Para isso é preciso que a pessoa reserve o momento em que vai lançar a questão. 

É preciso que a pessoa esteja em contato consigo mesma, de preferência faça uma meditação silenciosa antes de redigir a pergunta e tê-la clara na mente. Ao fazer a pergunta enquanto se segura as moedas nas mãos, que a pessoa se foque apenas naquilo, não deixando a ansiedade atrapalhar, não permitindo induzir a uma resposta que queira, não permitindo uma auto-sabotagem. Que sinta suas mãos transmitindo energia para as moedas, e esteja plena naquilo que está fazendo. Dessa forma o I-Ching será mais aproveitável e a resposta apresentada estará mais de acordo com a real situação do inquiridor.

Somente estando aberto ao auto-conhecimento conseguimos de fato tirar proveito dessa ferramenta, e perceber as sincronicidades que a vida nos apresenta. Em pleno acordo com as idéias taoísta sobre o Yin e o Yang, o I-Ching nos ensina que nada deve ficar estagnado, a vida flui e muta. É importante estarmos despojados de nossos apegos, medos, expectativas e pré-conceitos que nos impedem perceber as situações com clareza, aceitar as mutações dessa vida sempre impermanente, e agir com sabedoria de acordo com cada momento, fluindo como um rio de águas límpidas e fecundo de vida.