sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Cada um com sua Verdade! Há uma Verdade única? Ela importa na busca espiritual?


Publicação de autor convidado

A VERDADE COMO UM VALOR FUNDAMENTAL NA BUSCA ESPIRITUAL
                                                                      Vinícius Dickson Rezende


O mundo atual do século XXI é, de diversas formas, um mundo muito diferente daquele em que Helena Petrovna Blavatsky, a fundadora da moderna Sociedade Teosófica, viveu e produziu suas obras. A informação encontra-se livre e disseminada à distância de um clique em um “smartphone”, embora não democraticamente acessível a todos e em todas nações, é possível portar bibliotecas inteiras em dispositivos eletrônicos e trocar conhecimentos com pessoas de diversas partes do mundo bem como a um ocidental chegar ao remoto Tibete com relativo  conforto, segurança e rapidez. 
Vivemos sob o estímulo constante do novo e da informação, mas é duvidoso que Helena Blavatsky pensaria que, por isso mesmo, nos tornamos mais sábios intelectual e espiritualmente. Blavatsky defendia que no coração de todas as grandes religiões, sob o disfarce do símbolo, alegoria e ritual, subsiste uma Antiga Sabedoria, tão antiga quanto o homem quando este se converteu em pensador. Essa sabedoria a qual denominou de Theosophia, a sabedoria divina, é em sua essência uma profunda investigação da Verdade manifesta no homem, na natureza e no universo. A palavra Verdade aparece no lema desta sociedade  - Satyat Nâst paro Darma- embora haja certa discussão sobre a tradução, “não há religião superior a Verdade”, o que não se discute é o valor intrínseco atribuído à palavra Verdade grafada em maiúscula naquela proposição.

Todos reconhecemos que a verdade possui um valor intrínseco e vale a pena ser buscada; a verdade é, portanto, superior à falsidade assim como o conhecimento é superior à ignorância, tendo implicações não só epistemológicas, mas também éticas. Universidades, escolas, ciência, religião, filosofia, política, economia, etc; muitas, senão quase todas as atividades humanas se baseiam em algum conceito de verdade e na possibilidade se obter algum conhecimento verdadeiro da realidade. A Verdade grafada em maiúsculas significa algo ainda mais fundamental, o mysterium magno da existência de todas as coisas bem como dos significados, é o grande mistério sobre o qual se debruçaram gerações de sábios, filósofos, cientistas, poetas, místicos e religiosos.

A espiritualidade mais genuína é uma tentativa de exprimir aquela indizível Verdade através de uma forma de viver ética, altruísta e compassiva, de modo que, unificando nossa a consciência com a própria natureza daquela Verdade que buscamos, possamos compreendê-la em sua totalidade, todavia, não pelas vias do mero intelecto, mas de uma instância superior. 
A fundação da Sociedade Teosófica bem como a difusão da antiga Tradição-Sabedoria causou um profundo impacto na cultura e espiritualidade do século XIX e dos tempos vindouros. Termos como Karma e reencarnação, antes restritos ao Oriente, tornaram-se lugar comum na linguagem cotidiana, por outro lado, ensinamentos profundamente filosóficos e metafísicos foram sendo gradualmente subvertidos, ganhando contornos que não tinham originalmente; ideias particulares que, embora pudessem ser rastreadas à sua fonte, não possuiam nenhuma fidelidade ao original. Expostas por líderes carismáticos, originaram grupos e seitas  pseudo-esotéricas as mais variadas, e isto culminou com o que hoje chamamos de “new age” com muito apelo a mentes excessivamente crédulas.

Estudar espiritualidade e literatura mística no século XXI é caçar pérolas em um mar de falsas informações e falsos caminhos que, embora fáceis, nos afastam da meta original. Mais difícil ainda é a definição de verdade de nossos tempos, pois ao que parece torna-se cada vez mais difícil para as pessoas distinguirem fatos de opiniões e a realidade de crenças e expectativas. Tanta informação disseminada, longe de se converter em conhecimento, parece ter se tornado uma espécie de distração, um ruído, fazendo com que as pessoas permaneçam no conforto da superficialidade e exterioridade ao invés de buscarem uma compreensão profunda sobre qualquer coisa.

A palavra verdade está cada vez mais vazia de significado. É comum no discurso atual ouvirmos e lermos coisas como “eu penso desta forma, esta é a minha verdade e você precisa respeitar”, como se a verdade se tratasse de algo inteiramente subjetivo e pessoal. Tal argumento pode parecer tolerante à primeira vista, mas nele está implícita a necessidade de se encerrar qualquer debate sem um devido processo de reflexão. Ora, a verdade é singular e ela é independente de preferências, crenças e expectativas pessoais. A negação de que existam verdades pode conduzir a um relativismo e cinismo que minam qualquer possibilidade de conhecimento, invalidando todos os esforços humanos nesse sentido, pois afinal, se todas as opiniões e crenças são verdades e não há nada como uma verdade fora de mim, não há nenhum sentido em buscar tal coisa.

A lógica é uma ferramenta utilizada para verificar o valor “verdade” de uma determinada proposição. Quando dizemos que “não existem verdades”, esta proposição em si mesma postula uma verdade absoluta que é, no entanto, a sua própria negação, ferindo assim todos os princípios da lógica formal e interpretativa. Uma das concepções filosóficas de verdade pressupõe a validade de um argumento, ou seja, de sua coerência interna como pensamento discursivo.

 A concepção romana de verdade, expressa na palavra Véritas, significa grosso modo, a convergência entre pensamento e realidade, ou seja, para que minha forma de pensar seja considerada verdadeira, ela precisa estar em conformidade com os fatos; este é um conceito basicamente epistemológico e de grande aplicação nas ciências naturais, no entanto, embora seja um conceito de grande utilidade prática, filósofos da epistemologia sugerem que ao transferir o valor verdade para a convergência de pensamento e realidade sem, no entanto, explicar como se dá esse processo na mente do próprio conhecedor, o conceito deixa de explicar a natureza do próprio “conhecedor” que permanece um mistério.

Para os gregos a verdade era expressa através da palavra Alétheia, a verdade como um contínuo desvelamento da realidade acessível à razão e ao pensamento. A concepção grega foi influenciada pelas ideias do filósofo Platão para quem a realidade substancial são as ideias que existem em um mundo arquetípico (o mundo das ideias) do qual o mundo dos objetos do conhecimento deriva como um pálido reflexo (ou mundo sensível). Alethéia é um conceito eminentemente ontológico que se refere à realidade essencial de todas as coisas, não apreensível aos sentidos, mas ao pensamento.

HPB escreveu em seu artigo “Spiritual Progress”: “em todas as épocas houve sábios que contemplaram o absoluto e, no entanto, podiam ensinar apenas verdades relativas. Pois ainda ninguém em nossa raça nascido de mulher mortal tem ou poderia ter divulgado a verdade total ou final a um homem, pois cada um de nós precisa descobrir esse conhecimento final em si mesmo. O maior adepto vivo pode revelar a Verdade Universal apenas na medida em que a mente a que se dirige pode assimilar e não mais(...)”. 
Ainda sobre a verdade, em outro trecho daquele artigo HPB diz: “Ainda assim, cada um de nós pode alcançar relativamente o Sol da Verdade, mesmo nesta terra, e assimilar seus raios mais quentes e diretos (...) No plano da espiritualidade, para alcançar o Sol da Verdade, devemos trabalhar com sinceridade para o desenvolvimento da natureza superior de nossa mente. Sabemos que paralisando dentro de nós os desejos da personalidade inferior, e assim amortecendo a voz da mente puramente fisiológica – aquela mente que depende e é inseparável de seu veículo, o cérebro orgânico – o homem animal- nós podemos abrir espaço para o espiritual; e uma vez despertos de seu estado latente, os sentidos e percepções mais elevados crescem em nós em proporção do desenvolvimento pari passu do homem divino”.

Destas citações depreende-se não só a existência de uma Verdade bem como de seu reflexo no plano condicionado da manifestação. As verdades relativas de que nos fala Blavatsky são aquelas observadas no plano da existência condicionada que, embora transitórias, são bastante reais para seres sencientes em seu próprio plano ao passo que a Verdade Absoluta encontra-se em outro nível de realidade, sendo a própria Realidade, que é nas palavras do Mandukya upanishad “impronunciável”. O posicionamento de Blavatsky não é, portanto, aquele do sofista que pretende dar ares de veracidade às suas próprias opiniões por meio de artifícios retóricos, mas o de que a Verdade se revela a nós, paulatinamente, à medida que nos fazemos dignos dela intelectual, moral e espiritualmente. Também nos assinala que existe um caminho a seguir caso seja de nosso desejo conhecer essa Verdade e ele passa por uma transformação da nossa natureza egóica através do desenvolvimento das virtudes solapando também qualquer possibilidade de relativismo moral.

No contexto da Sociedade Teosófica em que se propõe como uma das diretrizes fundamentais a liberdade de pensamento, a questão da verdade assume importância capital e precisa ser considerada tanto sob o aspecto epistemológico (veritas) quanto ontológico (aletheia). A liberdade de pensamento implica que não existem obstáculos institucionais e/ ou doutrinários para o pensamento ou sobre o que se pensar, no entanto, se é de nosso entendimento que há verdades (sejam elas absolutas ou relativas), somos forçados a concluir que em se buscando de forma sincera, honesta e metódica, nossos pensamentos terão que corresponder às realidades - interna ou externa- podendo ser expressa de acordo com a capacidade de apreensão e entendimento individuais, respeitando a verdade sob suas variadas apresentações.

É também forçoso reconhecer que em nossa busca, precisamos transformar nosso entendimento da Verdade, ainda que relativo, em prática (sabedoria), ou seja, a senda espiritual e a busca pela verdade também passam por um cultivo da Veracidade em um mundo de aparências, exigindo um contínuo estudo da nossa própria natureza interna e esforço no sentido de eliminar os mesquinhos vícios e desejos egóicos bem como de expressar o ideal da fraternidade através de nossas ações, evitando assim que nossa busca se transforme em mera curiosidade ou em um fútil exercício intelectual. Na vida cotidiana, não é possível conciliar o elevado ideal da fraternidade universal com ideias, sejam elas de qualquer ordem, que estejam em frontal desacordo com a proposição da unidade de toda a vida, evitando as armadilhas do ego que nos aprisiona em um estado de hipocrisia auto-indulgente.

Portanto, o Teosofista sincero e, ainda de uma maneira mais ampla, o genuíno buscador espiritual, tem um dever para com a verdade, devendo valorizá-la, restaurá-la e respeitá-la sob todas as suas variadas apresentações, ainda que parciais em nosso mundo de relatividade, não devendo, no entanto, transigir com o erro, o engodo e a falsidade mesmo e, principalmente, dentro dos meios teosóficos e espiritualistas sob o risco de expor ensinamentos profundos e filosóficos ao escárnio e ao descrédito geral. Em nossa busca pela verdade, devemos ser isentos de paixões e preferências pessoais e aplicar tanto a razão quanto a intuição para compreendermos as profundas verdades de nossa existência e viver de tal forma que nossas ações correspondam aos nossos valores, sendo amantes da verdade e verdadeiros em nosso viver.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Discurso de Cremação de Helena Blavatsky por G.R.S. Mead - 8 de maio de 1891

Leitura feita por G. R. S. Mead, Secretário Geral da Seção Européia da Sociedade Teosófica, no momento da cremação do corpo de Helena Petrovna Blavatsky


Após a morte de HPB, seus amigos e alunos se dirigiram até a estação de trem Woking, em Londres, rumo ao único crematório da Cidade. Lá, seu aluno, teósofo e secretário leu uma bela Eulogia Fúnebre, que traduzo abaixo - Alaya Dullius



"Irmãos e amigos teósofos.
Helena Blavatsky está morta, mas H.P.B, nossa instrutora e amiga, está viva, e viverá para sempre em nossos corações e memórias. Em nosso presente pesar, é este pensamento que devemos ter em mente. É verdade que a personalidade que conhecemos por Blavasky não está mais conosco; mas é igualmente verdade que o magnífico e nobre ser, a grande alma que nos ensinou todos a viver vidas puras e mais altruístas – esta ainda vive. 


Querida como a personalidade de H.P.B é para nós, para muitos os quais ela tomou o lugar de uma amada e reverenciada mãe, devemos ainda lembrar que, como ela mesma nos ensinou, a personalidade é a parte impermanente da natureza humana e a mera roupagem do real ser.
A verdadeira H.P.B não está deitada aqui em nossa frente. O verdadeiro Self que inspirou tantos homens e mulheres em cada canto do mundo com um nobre entusiasmo pela humanidade sofredora e o verdadeiro progresso da raça, combinado com um elevado ideal de vida e conduta individual, não pode ser confundido com o mero instrumento psíquico que lhe serviu por uma breve encarnação.
Companheiros teosofistas, o dever que nos foi legado, seus pupilos e amigos, é claro e simples. Como todos nós sabemos bem, o grande propósito de vida de nossa instrutora nesta sua presente encarnação, o qual ela seguiu com completo altruísmo e motivação sincera, era restituir à humanidade o conhecimento daquelas grandes verdades espirituais que nós hoje chamamos Teosofia.
A constante fidelidade de H.P.B à sua grande missão, da qual nem o desprezo nem a deturpação feita a fizeram desviar-se, era a nota chave de sua força e natureza destemida. Para ela, que sabia tão bem a verdade dessa missão e seu significado oculto, Teosofia era um poder sempre presente em sua vida, e H.P.B era incessante em seu esforço para expandir o conhecimento das verdades vivas as quais ela tinha tanta convicção, então, pela influência delas, que está sempre se ampliando, a onda de materialismo na Ciência e Religião deve ser interrompida, e uma real e conclusiva fundação deve ser estabelecida pelo verdadeiro progresso e irmandade da humanidade. 

Com tal exemplo perante nós, então, nosso dever como teosofistas está claro. Nós devemos continuar o trabalho que H.P.B tão nobremente iniciou, se não com seu poder – o que para nós ainda é impossível – ao menos com um entusiasmo, auto-sacrifício e determinação que, sozinho, possa mostrar nossa gratidão a ela e nossa apreciação à grande tarefa que ela nos confiou.
Devemos, portanto, cada um de nós assumir nossa porção da tarefa. A Teosofia não está morta por que hoje estamos diante do corpo morto de HPB. A Teosofia vive, pois a Verdade nunca pode morrer; sobre nós, os mantenedores desta Verdade, deve repousar a mais pesada das responsabilidades, o esforço para delinear nosso próprio caráter e nossas vidas de modo que esta Verdade possa ser enaltecida para os outros, e possamos ser exemplo.
É de grande boa fortuna para todos nós que HPB deixou seu trabalho em uma fundação firme e bem organizada. Apesar da saúde falha e da dor física, nossa amada líder até seus últimos momentos de vida continuou com incansável esforço pela causa que tanto amamos. Ela nunca relaxou de sua vigilância pelos interesses dessa causa, e repetidamente ela imprimiu naqueles que a cercavam os princípios e métodos pelos quais o trabalho deveria continuar, nunca contemplando por um momento sequer que a morte de seu corpo pudesse ser um real impedimento para a continuidade do dever incumbido a cada ardente membro da Sociedade. Este dever, que está tão claro ante nós, e que foi tão bem representado por nossa amada HPB, é espalhar o conhecimento de Teosofia por todos os meios em nosso poder, especialmente através da influência do exemplo de nossas próprias vidas.
Por mais que amemos e reverenciemos nossa líder, nossa devoção ao trabalho não deve estar baseada em afeições transitórias por uma personalidade, mas na fundação sólida de uma convicção que na própria Teosofia é achada naqueles princípios espirituais eternos de reto pensamento, reta fala e reta ação, os quais são essenciais ao progresso e harmonia da humanidade.
Por mais que amemos e reverenciemos nossa líder, nossa devoção ao trabalho não deve estar baseada em afeições transitórias por uma personalidade, mas na fundação sólida de uma convicção que na própria Teosofia é achada naqueles princípios espirituais eternos de reto pensamento, reta fala e reta ação, os quais são essenciais ao progresso e harmonia da humanidade.
Acreditamos que se H.P.B pudesse estar aqui presente e falar conosco agora, esta seria sua mensagem para todos os que, independente de raça, credo ou sexo, estão conosco em coração e simpatia. Ela nos diria, como já disse a muitos de nós, que uma "vida limpa, uma mente aberta, um coração puro, um intelecto ardente, uma clara percepção espiritual, afeto fraternal para com todos, presteza para dar e receber conselho e instrução, corajoso suportar das injustiças pessoais, uma destemida declaração de princípios, valente defesa daqueles que são injustamente atacados e uma constante mira no ideal de progresso e perfeição humanos que a Ciência Secreta revela – esta é a escada de Ouro por cujos degraus pode o aspirante galgar o Templo da Sabedoria Divina."
E agora em silêncio nós nos afastamos do corpo de nossa professora e voltamos ao trabalho no mundo. Em nossos corações devemos sempre carregar conosco sua memória, seu exemplo e sua vida. Cada Verdade que proclamarmos, e cada esforço teosófico que fizermos, será mais uma evidência de nosso amor por ela, e, o que deveria ser ainda maior do que isso, de nossa devoção à causa pela qual ela viveu. Ela sempre foi fiel a esta causa, - que nenhum de nós nunca seja falso a essa verdade."

G.R.S. Mead



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Se você quer ver um relato de quem estava com HPB em seus últimos momentos e entender a ocasião de sua morte no dia 8 de maio de 1891, veja este depoimento que traduzi da Laura Cooper aqui:
 http://viveka1.blogspot.com/2019/05/a-morte-de-helena-blavatsky.html

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Introdução ao Budismo - Sidharta e as Quatro Nobres Verdades - O sofrimento e o caminho de Libertação


Introdução Ao Budismo - Parte 1
Sidharta, o Buda. Sua história, as primeiras escolas, o primeiro ensinamento. As quatro nobres verdades, a origem do sofrimento e o caminho óctuplo - no vídeo abaixo:



Buda-Dharma

É uma tradição filosófico-religioso-psicológica que explicita como seu objetivo oferecer ensinamentos e práticas, um modo de vida que leve a eliminar o sofrimento e alcançar a felicidade, a Libertação do sofrimento e de suas causas, experimentar a Iluminação.  O Budismo expressa-se sob muitas formas: escolas, tendências, linhagens. 

               
“O estudar começa pelo ouvir e o ler sobre o Dharma (os ensinamentos de Buddha).
                O primeiro benefício é aprender os pontos essenciais (enfatizados no Lamrim).
                O ouvir e o estudar conduz à eliminação da escuridão da ignorância (Aryasura).”

 Não devemos ficar satisfeitos com 2 ou 3 anos de estudo. Os sábios mestres estudaram 25 ou 30 anos e são sentem que conhecem tudo.  Trijang disse: “Eu li o Lamrim extenso (de Tsongkhapa) uma centena de vezes”. E acrescentou: “Um dia de estudo com um mestre espiritual é centenas de vezes mais valioso do que todo um ano de retiro repetindo sílabas...”. O mais importante fator do sucesso nos estudos é a aproximação da mente de uma reta motivação. Os atuais Geshes têm enfatizado que o budismo é uma 'filosofia viva' - algo para se estudar, aprender e colocar em prática.

Sidharta Gautama e o Budismo Mahayana

Sidharta Gautama, O Buddha (O Desperto/O iluminado), nascido em Lumbini -oeste do Nepal-, próximo a Kapilavastu, no reino dos Sakyas. Estima-se que viveu entre 643-563 a.C.  Um Buddha é alguém que completou a jornada da senda dos Bodhisattvas e alcançou o último estágio (bhumi).

Diz a lenda que partiu do palácio de seu pai aos 29 anos e se envolveu com práticas de ascetismo, com as quais rompeu após 6 anos de prática. Sidarta tornou-se um Buda numa noite de lua cheia no mês de maio, quando tinha 35 anos, e por 45 anos ensinou para diversos grupos diferentes por toda a Índia.
Grupos diversos sugiram, em Kashmir os Mahasangikas deram origem à tradição Mahayana. No século VIII d.C. Shantarakshita leva o budismo ao Tibete.  Diversos budismos: Theravada, Mahayana, Vajrayana; Diversas escolas.



As 4 Nobres Verdades

Ao ensinar começou indicando qual é a situação dos homens na existência, que em síntese é nascer, crescer e morrer.

As 4 verdades são:
                a- duhkha : a verdade da existência do sofrimento
                b- avidya : a verdade da causa-raiz do sofrimento
'               c- nirodha : a verdade sobre a cessação do sofrimento
                d- o caminho para a cessação do sofrimento    


               
O Óctuplo caminho:

- reta compreensão
- reto entendimento
- reta palavra
- reta ação
- reto meio de vida
- reta energia/entusiasmo (virya)
- reta atenção (dhyana)
- reta contemplação (samadhi)

Três tipos de duhkha:
1.duhkha-duhkha (o sofrimento propriamente dito – dor física, doenças, morte etc)
 2. Vipanirama-duhkha (o sofrimento associado à impermanência, psicológico).
3. samskara-duhkha (o sofrimento como tendência existencial. Sofrimento resultante das formações mentais , dos agregados que compõem o 'eu' aparente. As perturbações (kleshas) geradas pelo pensamento.)


O termo sofrimento é muito sintético. O termo usado em sânscrito foi duhkha e é bastante rico de sentidos, pois inclui a situação insatisfatória da existência, a dor gerada pelo entendimento da impermanência e da finitude da vida (o estar em direção à morte), a tristeza, a angústia, a ansiedade, a depressão, todas as dores físicas e psicológicas. Há ainda um mecanismo inconsciente que dá sustentação a duhkha e que é gerado por uma visão em relação à existência de um “eu” individual, concreto e separado de todos e de tudo.

                - 'O sofrimento é para ser plenamente conhecido.
                   A fonte do sofrimento é para ser eliminada.
                   A cessação do sofrimento é para ser vivenciada diretamente.
                   A senda que conduz à cessação do sofrimento é para ser cultivada'.
                   (Lalitavistara Sutra)

                - 'Estas são as nobres verdades do sofrimento: nascer é sofrimento, envelhecer é sofrimento, adoecer é sofrimento, morrer é sofrimento. Aflição, lamentação, dor, pesar e desespero são sofrimento. Estar unido com aquilo que não gostamos e estar separado daquilo que gostamos é sofrimento. Não obter aquilo que desejamos é sofrimento. Os cinco grupos de agregados (skandhas) são sofrimento' .  (versão Theravada)

As Três Jóias – Os Três refúgios
·         o Buda;
·         o dharma, o ensinamento
·         a sangha, a comunidade espiritual de instrutores budistas

quinta-feira, 16 de maio de 2019

A Morte de Helena Blavatsky


Como ela nos deixou

por Laura M. Cooper

[Originalmente publicado em  Lucifer (London) June 15, 1891, pp. 267-271.
Republicado em H.P.B.:  In Memory of Helena Petrovna Blavatsky by Some
of Her Pupils, London, Theosophical Publishing Society, 1891, pp. 3-7.]

Foi para mim um privilégio estar com H.P.B durante sua última convalescênça, e no momento de sua morte. Me pediram que eu contribuísse compartilhando “memórias” minhas sobre estes momentos, para benefício de irmãos e irmãs da Teosofia, que, estando distantes, não tiveram a vantagem de estar próximos de H.P.B constantemente. 


Foi numa terça-feira, dia 21 de Abril, que fui para ficar na sede da loja por alguns dias, dias estes que, dado aos eventos inesperados que se seguiram, transformaram-se em semanas. H.P.B parecia estar em seu estado normal de saúde, e na quinta-feira, dia 23, ela participou do encontro da Loja e permaneceu conversando com os amigos que a cercaram por algum tempo após o fim da reunião daquela noite; ela então retirou-se para seu quarto, como lhe era de costume, e os membros da loja que moravam na sede sentaram junto a ela enquanto ela tomava seu último café antes de se retirar para a noite.


O dia seguinte, sexta-feira, passou quietamente, sem nenhum sinal de que logo nossa amada H.P.B iria deixar-nos. Na noite seguinte, sábado, ela estava muito desperta. Dr. Mennell apareceu e ficou muito satisfeito com sua condição. Minha irmã, Isabel Cooper-Oakley, e eu, juntamente com mais um ou dois membros, ficamos conversando com H.P.B até as onze da noite, quando ela se retirou com um animado “boa noite a todos”, tudo parecia normal.


Na manhã seguinte, contudo, a empregada de H.P.B veio cedo para meu quarto para avisar que Helena passou uma noite inquieta, estremecendo e em dor. Desci logo a seguir para verificar, e logo pude perceber que ela estava evidentemente com uma febre bastante alta. Chamamos o médico e o dia passou com H.P.B alternando entre um sono profundo ou inquieta e sofrendo. Mais tarde o médico retornou e declarou que ela estava com um caso de influenza; a febre estava muito alta, mais de 40 célsius. Temendo complicações dado as condições de doença crônica (renal) que H.P.B se encontrava, Dr. Mennell atendeu ao caso com muita seriedade, e pediu que durante a noite toda nós nos revezássemos para cuidar dela além da presença da empregada, e que deveríamos dar pontualmente tanto a medicina quando o alimento.
Isabel Cooper-Oakley


Este dever caiu sobre mim, a Condessa de Wachtmeister havia passado o dia inteiro engajada com diversos trabalhos e estava exausta a noite, e o Dr. Mennell não permitiu que minha irmã ajudasse dado seu estado de saúde mais frágil.

Naquela memorável noite de domingo, dia 26 de abril, começou uma série de infortúnios, a doença passou de um membro da loja para outro, culminando com o falecimento de nossa amada professora. As horas passaram lentamente, alternando sono e inquietude, e na manhã seguinte nenhuma melhora foi observada. Trouxemos a grande poltrona de H.P.B para seu quarto e colocamos ao lado de sua cama, caso desejasse mudar de posição ou sentar um pouco.

Apesar de estar muito doente ela pediu que nós a informássemos de tudo que estava acontecendo, e demonstrou triste preocupação ao saber que outro membro, o Sr. Sturdy, também estava acamado com influenza; quando foi sugerido que o Sr. Mead trouxesse Sr. Sturdy para a sede, para que ele também pudesse receber todo cuidado, ela ficou muito feliz e pediu que fizéssemos isso logo por ele.  


H.P.B passou um dia de longo sofrimento, e quando Dr. Mennell chegou ao entardecer ela estava abalada ao saber que a febre estava ainda muito alta; ele mudou a medicação e lhe deu um preparo de ácido acetilsalicílico (salicene), sendo necessário reduzir sua temperatura. Ele deixou orientação de sempre tirarmos a temperatura dela antes de cada dose do remédio, e observarmos caso a temperatura caísse demais, pois isso seria perigoso e deveríamos parar com a medicação. Antes da hora da terceira dose a temperatura dela já havia baixado bastante, e ela estava sentindo efeitos colaterais da medicação, então achei justo não dar a terceira dose. Foi um alívio quando o Dr. Mennell retornou e confirmou que estávamos agindo corretamente.

Ela passou uma noite relativamente tranquila e na terça-feira de manhã a febre tinha praticamente desaparecido; naquele dia e na noite seguinte tudo parecia estar bem, pois apesar da fraqueza ser inquietante, não haviam surgido mais complicações, e ela conseguiu se alimentar bem. Mas na quinta-feira, dia 30, H.P.B começou a sentir muita dor de garganta, e grande dificuldade para engolir; ela tossia muito e mal conseguia respirar. Na sexta feira ela estava pior ainda e quando Dr. Mennell chegou ele encontrou um abcesso peritonsillar (complicação de amigdalite) no lado direito da garganta dela; usamos alguns cataplasmas quentes na região e algum alívio foi conseguido. Durante a noite o abcesso estourou, uma noite pior se seguiu e durante a manhã havia um segundo abcesso se formando na garganta. Este estava localizado no tubo brônquico. Um dia e noite horrível se seguiu e no domingo, 3 de maio, H.P.B estava extremamente doente, sentindo muita dor para engolir qualquer coisa, não conseguindo alimentar-se e cada vez mais fraca consequentemente. Segunda e terça-feira passaram da mesma maneira, o abcesso desapareceu, mas os brônquios continuavam muito afetados e ela respirava muito mal. Não conseguia deitar-se. Ela lutou bravamente contra sua doença. 

Na quarta-feira, dia 6 de maio, ela vestiu-se e caminhou até a sala de estar e ficou descansando no sofá; à noite o Dr. Mennell considerou que ela estava um pouco melhor, não havia mais febre mas estava muito fraca e com dificuldade para respirar, e isso o preocupou. Diversas vezes H.P.B disse a ele que sentia que estava morrendo, e que não conseguiria lutar por muito mais tempo; mas ele, sabendo de seu histórico de ter-se recuperado quase que milagrosamente de doenças anteriores, ele não abandonou as esperanças; posso dizer que este era o sentimento de todos nós na casa, pois apesar de percebermos o quão gravemente doente H.P.B. estava, não conseguíamos acreditara que ela partiria.

H.P.B e G.R.S.Mead

Desde seus primeiros dias de doença H. P. B. perdeu todo o desejo de fumar seus cigarros. Quando a febre sumiu ela tentou uma vez, mas não lhe trouxe prazer algum e ela jogou-o fora. Ela sempre tinha algum cigarro pronto para quando o Dr. Mennell visitava, as vezes quando ela não conseguia, o Sr. Mead ou o Sr. Wright eram chamados para ajudar. Aquela quarta-feira a noite foi o ponto de virada da doença dela; por volta da meia noite ela piorou muito e durante uma hora parecia que ela estava morrendo mesmo; ela não tinha mais pulso perceptível, e parecia quase impossível para ela respirar. Após um tempo ela foi melhorando um pouco, e o perigo parecia ter passado. Na quinta-feira bem cedo o Sr. Wright foi buscar o Dr. Mennell; ele ficou um tempo conosco observando ela reagir à medicação que ele dera – ao longo do dia H. P. B. levantou-se e vestiu-se, e caminhou para a sala de estar; ela solicitou por sua poltrona e enquanto trazíamos ela permaneceu de pé, imóvel, segurando-se na mesa. Ela sentou-se na poltrona e tentou abrir um jogo de paciência; apesar do corajoso esforço, era bastante aparente que ela estava sofrendo imensamente, e que nada além de sua forte vontade estava sustentando ela; a grande dificuldade em respirar deixava ela com uma expressão triste de se ver.


Quando o Dr. Mennell voltou, ficou surpreso em vê-la sentada na sala e a congratulou, desejando-lhe força e coragem; ela disse “Eu faço meu melhor doutor”; sua voz era apenas um sussurro e o esforço para falar era exaustivo, pois ela não tinha fôlego. Mas ela podia ouvir e gostava de ouvir a conversação. Ela entregou ao Dr. Mennell um cigarro que ela preparou para ele, foi o último que ela enrolou. Após um tempo o Dr. Mennell perguntou a H.P.B se ela se importaria de receber o Dr. Miller, seu colega, e permitir que ele ouvisse seu peito e a examinasse; ela consentiu e logo ele chegou. Após examina-la, fomos chamados para conversar, eu, minha irmã Isabel Cooper-Oakley e os dois doutores. Dr. Miller estava muito preocupado com a condição de H.P.B, sua extrema fraqueza e a bronquite. Ele receitou uma medicação e logo após partir H.P.B retornou ao seu quarto. Ela estava muito cansada, mas ainda assim perguntou se os outros tinham melhorado e se haveria reunião da loja. 

Condessa Constance Wacthmeister


A noite seguinte foi a última dela conosco. Foi uma noite de muito sofrimento. Por não conseguir respirar ela não conseguia descansar em posição nenhuma. Ela acabou obrigando-se a ficar sentada envolta em travesseiros. Ela quase não tinha mais força para tossir. Por volta das 4h da madrugada ela parecia mais calma, e havia pulso, e daquela hora até as 7 da manhã, quando a deixei, tudo estava calmo. Minha irmã tomou meu lugar nos cuidados, enquanto eu ia descansar um pouco. Dr. Mennell apareceu novamente e ficou satisfeito em verificar um bom pulso nela. Ele me falou para descansar e disse que minha irmã poderia se ocupar com suas tarefas. As 11:30 da manhã eu fui acordada pelo Sr. Wright, que me chamou para vir imediatamente pois H.P.B havia piorado muito de repente, e a enfermeira achou que ela não aguentaria mais algumas horas. Assim que entrei em seu quarto vi o quão crítica era a situação. 


Mr. Wright

Ela estava sentada em sua cadeira e eu me ajoelhei a sua frente e pedi que ela tentasse tomar o remédio; apesar de estar fraca demais para segurar o copo, ela permitiu que eu derramasse em seus lábios e ela conseguiu engolir; mas após isso conseguimos apenas dar-lhe um pouco de comida na colher. Então percebi uma mudança, e quando tentei umedecer seus lábios eu vi que seus olhos estavam ficando apagados. Ela manteve sua consciência até o fim. H.P.B tinha o hábito de mover um pé enquanto pensava, e ela continuou a mover o pé até parar de respirar. Quando toda esperança havia esvaído-se, a enfermeira saiu do quarto, deixando C. F. Wright, W. R. Old e eu com nossa amada H.P.B. Os dois ajoelharam-se ao seu lado segurando sua mão e eu sentei ao seu lado e apoiei sua cabeça; ficamos assim por muitos minutos, H.P.B faleceu tão quieta que mal percebemos o momento que ela partiu de fato; um grande sentimento de paz preencheu o quarto e nós três ficamos lá em quietude até que, primeiro minha irmã e então a Condessa chegaram. Era 8 de maio de 1891.


Eu havia telegrafado a eles e ao Dr. Mennell quando a enfermeira disse que o fim estava próximo, mas eles não chegaram a tempo de vê-la. Não perdemos tempo em lamúrias vãs, tentamos pensar e fazer aquilo que ela gostaria que fizéssemos na dada circunstância, e sentíamos gratidão por ela ter se libertado de todo aquele sofrimento. O raio de luz na escuridão de nossa perda parecia ser que tínhamos esperança de continuar o trabalho dela, e que ela poderia partir em paz. Ela confiou a nós, seus discípulos próximos, o serviço da causa a qual ela dedicou sua vida, e a profundeza do nosso amor e lealdade será medida com nosso trabalho.

Laura M. Cooper.

*tradução Alaya Dullius



Após sua morte, seu corpo foi cremado no crematório de Woking, onde G.R.S. Mead conduziu uma bela leitura em seu funeral. Leia o discurso dele aqui: https://viveka1.blogspot.com/2019/11/discurso-de-cremacao-de-helena.html

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Ganância espiritual e querer dominar tudo sem ser profundo em nada

Sobre "Gula" espiritual e superficialidade
*Por Bruno Carlucci


Há muito tenho evitado postar sobre espiritualidade em redes sociais, pois aqui as coisas se banalizam ou acabam em discussões infrutíferas. Não tenho necessidade de convencer ninguém, nem estou disposto a ser convencido por ninguém. Nem esse texto é uma indireta específica direcionada a alguém. É só um desabafo/reflexão mesmo a que cheguei esses dias: Uma das coisas que mais me preocupa na tentativa de estabelecer uma rotina de estudos e de vida coerente com a busca espiritual são a dispersão e a gula. Tempo e foco são um problema. Não chegamos a lugar algum na vida sem foco, sem metas claras e temos que usar o nosso tempo para isso, claro, tudo amparado por uma reta motivação, uma ética adequada. Ensina o budismo que tempo é uma das coisas mais preciosas que temos, pois nunca sabemos o dia de amanhã.
Mesmo que nenhuma tragédia aconteça, pode vir um novo emprego, um filho, um casamento, um compromisso da vida diária que reduz o tempo que temos para nos dedicar ao estudo e à prática. Percebo uma "culpa" teosófica em muita gente e em grupos que sentem que precisam estudar uma legião de tradições espirituais ao mesmo tempo e o foco se perde. A culpa é alimentada por uma gula, porque de fato há muitas tradições idôneas que precisam ser estudadas, mas com a gula se busca abraçar tudo e a dispersão e a confusão só aumentam. Acabamos com um exército de doutores em tudo e em nada ao mesmo tempo.
As pessoas se apegam aos conceitos, se apegam à imagem de "ser alguém que estuda muitas tradições e entende de todas elas" e daí vem um ciclo vicioso, em que as pessoas estão sempre pulando de galho em galho e voltando para o galho anterior, reciclando as mesmas palestras, a mesma verborragia de conceitos e bate-boca, porque já são "doutoras" e já dominam tudo, mesmo que na verdade nem tenham uma ligação, um vínculo com aquela tradição, mas em sua dispersão se enganam e se convencem de que se identificam com tudo.
Ou pior, a gula gera vaidade e a vaidade faz com que a pessoa queira falar até mesmo do que não estudou, ou do que só estudou "superficialmente" e daí vem o plágio, começa-se a roubar a experiência, a fala das outros. O noviço (às vezes nem isso) quer se mostrar tão doutor quanto o Lama. A vaidade gera a mentira, a pessoa quer ser admirada, adulada, gosta de sair contando por aí acerca dos elogios que recebeu, gosta quando a comparam e dizem que sua palestra foi melhor que a do fulano, que o seu texto está impecável, que a sua tradução não tem erros, seus olhos brilham quando alguém lhe promete um cargo ou uma posição de destaque no grupo.
A pessoa passa a se achar "o senhor do primeiro raio", a raposa que lidera as ovelhas, na ânsia de compensar algum tipo de carência ou frustração mal resolvida na vida pessoal ou profissional, ela começa a competir com os outros para ser o centro das atenções e derrotar os seus rivais. Então, inconscientemente e, cada vez mais, conscientemente a pessoa se volta contra aqueles que a ensinaram, contra seus colegas, contra as inclinações naturais de sua própria alma e abrem-se as portas, para a pessoa que é doutora de tudo, "senhora do primeiro raio", projeto de Avatar e salvador da humanidade, cheia de gula e de raiva, arrogância e megalomania, a se dispersar ainda mais e começar a espalhar ensinamentos distorcidos.
Começa com um pequeno desvio aqui e ali, na ânsia de se mostrar autoridade daquilo que ela não domina, e acaba por, nos casos mais graves, a explorar caminhos não-idôneos e experimentar toda a severidade com que o Senhor do Tempo lhe presenteará em resposta. Pois este é um deus que não perdoa. E mais uma vida se vai, mais problemas para a próxima. Assim a roda gira.
 

Se a sua alma não grita, se o seu coração não chora por um determinado assunto, por uma determinada tradição espiritual, não considere a si mesmo especialista ou interessado em algo que não é, pois curiosidade não é interesse. Não banalize o que é sagrado. Não engane os outros, nem a si mesmo. 
Se não há reta motivação, ética, coerência mínima com que se pretende ensinar, silencie. Não prometa o que não pode oferecer. Vivemos em tempos de muitos pretensos especialistas e pouco estudo, muitos falantes e poucos ouvintes, muita dispersão e barulho, mas pouca reflexão e silêncio. 

Outra coisa que tenho pensando em conversas com amigos: claro que na história houve contatos entre diferentes tradições, mas os Iniciados de cada tradição se focaram e se especializaram naquela tradição a que estavam mais vinculados e, certamente, não por preconceito, mas porque muito dificilmente alguém consegue se aprofundar igualmente em vários caminhos ao mesmo tempo. Não vejo nada de errado em estudar mais de uma tradição (até porque eu mesmo faço isso), até para comparar e aprender coisas que podem ser úteis para a aquela tradição principal, aquela que mais grita no coração. Claro que podemos nos identificar com mais de uma, afinal, estamos aí renascendo a todo século (não, não acredito literalmente no papo de 1000 anos de "devachan", sinto muito), mas aí temos que ser sinceros conosco e refletir sobre o que, na vida presente, vibra mais em nossa mente, em nossa alma.
A maior parte dos casos de pessoas que vejo dizerem se identificar igualmente com todas ou estão confusas e se desviando de um trabalho que poderiam fazer com aquela que lhes traz mais clareza ou usando a curiosidade como rota de fuga para não terem de se aprofundar num determinado caminho. Claro, conheço exceções, mas são casos de pessoas realmente excepcionais que saem do universalismo superficial e têm um discernimento que poucos têm, além da "sorte" de ter muito tempo disponível e disciplina para usá-lo.

HPB diz num texto que muitos iniciados têm um intelecto abaixo da média, pois o mais importante no caminho é a pureza de princípios, a sinceridade na busca, uma boa intuição e discernimento. Claro que desenvolver e usar o intelecto é útil e importante, mas não dissociado desses outros pontos.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Ética, a Morada da Consciência.


Ética – a luz da consciência.
Aláya Dullius
2010

A palavra ética foi usada pela primeira vez, dando o sentido que hoje a deveríamos ter, pelo filósofo pré-socrático Heráclito em sua célebre sentença grega “ethos antrophos daimon”, significando a luz que habita no homem. Ética em uma tradução livre, seria justamente isto, a luz da consciência que habita no homem. Posteriormente temos a introdução do termo latino “moralis”, que indica costumes, regras, modo de vida. 


Sendo assim, é possível perceber que a moral, referindo-se a regras de conduta, está subordinada a seu período no tempo e na história, delimitada por culturas. Porém, a ética, sendo a própria consciência humana, traz em si um caráter mais universalista, pois a humanidade, sendo uma só, não poderia trazer intrinsecamente consigo ‘éticas’ diferentes. Dessa forma podemos entender que é possível alguém ser imoral e ético ao mesmo tempo, o mesmo se dá com o oposto. É possível ser moral, e anti-ético.
Nossos valores foram passados por nossos pais, somos também fruto da sociedade em que vivemos, da educação e influências que recebemos. Um vegetariano por exemplo considera anti-ético alimentar-se de outros animais, seja por que entende que a vida destes não lhe pertence, seja porque não concorda com o modo extremamente brutal e violento com que estes são abatidos industrialmente em larga escala, sem o menor respeito por suas vidas e consideração por seu sofrimento desnecessário. Para essa pessoa, abster-se de um hábito considerado moralmente aceitável em sua sociedade, é uma questão de ética pessoal. 

Em culturas de certos países, é moralmente aceitável que um marido traído, por questão de honra, condene sua mulher à morte. Mas será ético matar alguém, ou punir gravemente alguém, por uma questão que diz respeito à relações pessoais e ao orgulho? Os pais baterem em seus filhos com o propósito de educação também é ainda considerado por muitos como algo correto, contudo, os estudos psicológicos demonstram que a punição física não só machuca como humilha a criança, podendo ser causa de problemas psicológicos e inseguranças, e portanto, não é uma atitude ética, visto que temos a inteligência e a capacidade de elaborarmos alternativas mais contundentes e amorosas; sem contar que é uma tremenda covardia agredir alguém mais fraco e incapaz de se defender e que precisa de ajuda para aprender a lidar com suas emoções. 
A mutilação genital de meninas africanas não é vista com horror pela maioria dos membros da cultura onde esta prática está inserida, mas para nós provavelmente seria tratada como crime de tortura. Dois séculos atrás, ser dono de seres humanos, feri-los, explorá-los e humilha-los não era visto como absurdo em nosso mundo. O simples fato de termos uma cor de pele diferente nos colocava moralmente numa situação em que ser anti-ético com outro ser humano era visto como normal. Em um futuro próximo o ato de comer animais ou praticar pesca desportiva por exemplo poderá ser visto como uma brutalidade grotesca e desnecessária, assim como é vista a escravidão nos dias de hoje (apesar do racismo estrutural que infelizmente permanece..)!
Percebemos então que a moral está vinculada diretamente à regras que regem o convívio na sociedade, dentro de suas determinadas culturas e épocas, e é, portanto, relativa. Já a ética evoca um sentido mais abrangente, que diz respeito principalmente ao respeito à Vida, com V maiúsculo. Ao que alguns filósofos chamam de Vida Una.  Na filosofia antiga, como por exemplo entre os neoplatônicos, há a ideia de que antes da manifestação do cosmos, isto é, do mundo ordenado, havia uma grande Unidade. Sendo Una, era indiferenciada, e continha em si todas as possibilidades. Nós seriamos centelhas dessa “Alma do Mundo” e a ela deveríamos buscar retornar. Compreender isso geraria nas pessoas, idealmente, uma ideia de fraternidade, de origem comum.
Talvez seja essa fraternidade que esteja sendo estimulada nas célebres sentenças cristãs “amai ao próximo como a ti mesmo” e “não fazei ao outro o que não gostaria que fizessem contigo”. Ora, isso não é uma regra moral, é ver a si mesmo no outro, perceber que estamos unidos, e portanto, somos indiferenciados. Ao fazer o outro sofrer estaríamos causando dor a nós mesmos. Na tradição budista há uma ideia fundamental sobre a interdependência, sobre essa rede que nos conecta, tornando o individualismo egoísta sem sentido.
A ética, estando no âmbito da consciência, pode ser despertada através não só de uma compaixão natural, mas de uma sabedoria que percebe essa interdependência e respeita a vida no outro pois reconhece no outro o divino que há em si também. Este é o sentido de ‘namastê’, o reconhecer a si no outro. E sendo este reconhecimento sincero, a ética surge como uma atitude natural do ser humano, que vai procurar buscar sempre agir em direção ao Bem (como diria Platão), não por que uma regra assim lhe ordena, mas por que é a única atitude que faria sentido. Dessa forma, a pessoa que desperta a luz em sua consciência, passa a se colocar como parte de um todo, um agente ativo e empático no mundo. E suas ações não se limitarão à condutas sociais, pois esse respeito à vida abarca todas as formas de vida.
Essa empatia é essencial no trato com aqueles que sofrem. Quando nos colocamos como mediadores de cura devemos seguir algumas condutas morais, mas mantendo sempre um embasamento em um sentido ético, de respeito ao ser que busca nosso auxílio. Dentre as condutas mais citadas está o sigilo quanto às informações confidenciadas pelo paciente e uma postura de respeito tanto à condição física quanto psicológica daquela pessoa. Se colocar como um instrumento de cura, ou que auxilia a auto-cura de alguém, é como tentar ser uma vela que ilumina um caminho, já que não podemos ser o sol, e permitir que a pessoa ande por este caminho e possa ela também, por sua vez, iluminar os outros.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Plotino e a Jornada da Alma - a Contemplação do Um e do Belo

Em 2012, após o término de meu mestrado em Filosofia Antiga (Sobre o Uno em Plotino e o Evangelho Apócrifo de João), dei uma palestra no Instituto Teosófico de Brasília sobre esse mesmo tema. O audio foi gravado e hoje tive o feliz trabalho de transformá-lo o melhor que pude com imagens ilustrativas, para ajudarem a levar o ouvinte para aqueles ensinamentos tão belos (não meus, de Plotino).
Convido-os a ouvir se interessar, e a se inscreverem em meu canal no youtube ☺ Curtam e compartilhem!



No conhecido livro A CHAVE PARA TEOSOFIA, Blavatsky, no primeiro capítulo, explica a origem do nome que escolheu para nomear a Sociedade que fundava. Ela nos fala sobre o Mestre Amônio Saccas e sua escola esotérica e filosófica, nos fala sobre as idéias de Plotino que se assemelhavam com o shamadhi hindu. Ela chama os filósofos dessa escola de verdadeiros teosofistas. Então, penso eu que nada mais óbvio seria para nós, interessados nessa sabedoria divina, buscar conhecer o que ensinavam. Eu sou suspeita, mas é lindo e inspirador!
Espero que meu vídeo auxilie a inspira-lo. Falo da jornada da alma (ou da mônada), das virtudes, do mundo que nos faz esquecer, da escola de Alexandria, dos neoplatônicos e gnósticos, do despertar para a contemplação da Beleza e da Unidade!
Deixo o link aqui pra vocês, e compartilho o trecho inicial da Chave para Teosofia:

CHAVE PARA TEOSOFIA

PESQ.: Qual é o verdadeiro significado do termo Teosofia?

TEOS.: Sabedoria Divina. “Theosophia” significa sabedoria dos deuses, assim como “Teogonia” significa genealogia dos deuses.  A palavra “theos” significa um deus, em grego, um dos seres divinos, e  certamente não significa “Deus” no sentido que se dá atualmente ao termo. Portanto, ela não é “Sabedoria de Deus”, como alguns traduzem o termo, mas aquela  Sabedoria Divina que pertence aos deuses. O termo existe há muitos milhares de anos.

PESQ.: Qual é a origem do nome?

TEOS.:  Ele vem dos filósofos de Alexandria, os chamados amantes da verdade, Filaleteus, de “Fil” (amar) e “Aleteia” (verdade). O nome “teosofia” data do século três da nossa era, e começou a ser usado por Amônio Saccas e seus discípulos (Plotino, Orígenes e outros), que criaram o sistema Teosófico Eclético.
Os neoplatônicos eram numerosos, e pertenciam a várias filosofias religiosas. [3] O mesmo acontece com os nossos teosofistas. Naquele tempo, o judeu Aristóbulo dizia que a ética de Aristóteles representava os ensinamentos esotéricos da Lei de Moisés; Filo Judeu se esforçava por reconciliar o Pentateuco com a filosofia pitagórica e platônica; e Josefo comprovava que os essênios de Carmelo eram simplesmente os copistas e seguidores dos terapeutas egípcios (os curadores).  O mesmo ocorre em nossos dias. Nós podemos mostrar a origem e a trajetória de cada grupo cristão, incluindo a menor das suas seitas. As seitas são os ramos menores nascidos dos galhos maiores da árvore; mas ramos e galhos surgem do mesmo tronco: a RELIGIÃO DA SABEDORIA.  A meta de Amônio era provar isso. Ele se esforçava por induzir gentios e cristãos, judeus e idólatras,  a deixar de lado suas disputas e brigas, lembrando apenas que todos possuíam a mesma verdade sob diferentes vestimentas, e eram todos filhos de uma mesma mãe.[4]  Esta é também a meta da teosofia.

(A tradução na íntegra do primeiro capítulo da obra pode ser encontrada aqui https://www.filosofiaesoterica.com/a-chave-da-teosofia-1/)