sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Entendendo melhor o que é feitiçaria em oposição à Magia Divina

Desenvolvendo mais o tema debatido no post anterior ( https://viveka1.blogspot.com/2020/02/nem-todos-os-caminhos-conduzem.html) , sobre a validade de diversos caminhos "espirituais", convidei um amigo, sério estudioso de magia, alquimia, ocultismo e hermetismo, para colaborar no blog com suas reflexões sobre a feitiçaria.


Feitiçaria é diferente de Magia Divina
Texto de um convidado Anônimo.

É importante abordar de forma cuidadosa e com as devidas nuances este tema, pois simplesmente dizer que algo é magia negra tem o efeito de contar uma mentira. A pessoa volta e diz: "vocês dizem que é magia negra, mas dai cheguei lá eles estavam fazendo um rito de cura e doando pra caridade, logo vocês estavam mentindo”. 

O que distingue uma tradição de feitiçaria de uma Tradição esotérica que faz uso de magia é a inexistência da compreensão e emprego do aspecto transcendente da realidade, superior tanto ao universo material quanto ao psíquico.

Nas tradições de feitiçaria a magia é um continuo cabo de guerra entre os diversos seres que precisam roubar, emprestar, tomar ou trocar sua força. Os deuses não são mais que forças psíquicas personificadas e o feiticeiro simplesmente escolhe um lado nessa teomaquia, sendo a barganha de poder parte central da práxis. O poder do praticante de feitiçaria depende de um lado de sua capacidade de cultivar relações com os seres do mundo psíquico/astral e por outro de seu poder natural que pode ser desenvolvido por uma ascese mais ou menos refinada.

As tradições mágicas diferem em um elemento principal, cujo conhecimento é de origem místico e teúrgico, a existência de um plano superior ao psíquico que simultaneamente detém três propriedades: a impassividade, a capacidade de dar ordem e harmonia ao aparente caos do mundo psíquico e o poder irresistível de comandar as forças.

Esses três aspectos são apenas a expressão de um mesmo princípio que ordena, comanda e não é afetado pelo devir dos fenômenos. E, diferente do feiticeiro, que serve a algum espirito ou força personificada, o Magista lança mão de um recurso adicional em seus atos mágicos, a identificação e emulação desse princípio transcendental. É pelo emprego do principio transcendente que essa forma de magia passa a ser chamada de Alta Magia ou Magia Transcendental.

Vale ressaltar que Magia Transcendental é inseparável e se trata do ramo “aplicado” da Teurgia e do Misticismo.  Assim, enquanto o Magista possui um poder luminoso e harmonizado com os princípios superiores, o feiticeiro praticamente ignora o plano Noético e se limita a dominar habilmente tudo que diz respeito ao plano sensível. O Magista possui o poder da Glória, isto é, uma virtude que o faz irradiar luz e fazer com que outros desejem imita-lo, ele possui autoridade. O feiticeiro possui ganância de poder, ele constrange as forças a agirem como ele deseja. Ele age através de um poder, mas não através de uma Glória. O feiticeiro age como o poder dos arcontes, ele precisa de sacrifícios, substâncias, cultos. Ele barganha com forças invisíveis, acumula poderes e se alimenta de energias densas e sutis, ele não age através do poder da Luz. Ao mesmo tempo, o feiticeiro é muito cobiçado pelas forças que estão em planos sutis, astrais, e não estão encarnadas, pois estar em um corpo material é motivo de cobiça para muitos desses. Assim, esse poder do feiticeiro, que muitas vezes pode aparentar ser um “velho sábio” ou um “dominador de forças ocultas” vem de energias de vibração mais densa, ainda presas à ignorância e aos vícios.

O poder do Magista emana do Absoluto, vem de dentro e é impessoal. O Magista não precisa barganhar com o absoluto, ele apenas o manifesta a partir de uma simbologia divina e uma ascese pura. O feiticeiro usa forças externas, precisa se ligar a entidades, ou usar artifícios. Os mecanismos são do plano astral.

É comum tentarem levantar o argumento da colonialidade para tentar anular essa distinção com o argumento de preconceito cultural, evitando assim analisar de forma sóbria as implicações reais de certas práticas. Uma das implicações mais obvias é que as tradições de feitiçaria são predominantes em todas as regiões do globo. Não se trata de racismo, não é uma questão de etnia, mas de práxis. Encontramos práticas dessa natureza entre etruscos, hunos, tibetanos e escandinavos, por exemplo. Por outro lado ouvimos referências a grandes centros de saber espiritual ligados à Magia Divina na península de Yucatan.

De toda forma, devemos considerar por exemplo que até a chegada dos filósofos e as Escolas de Mistérios na Grécia e em Roma, as religiões locais nada mais eram que tradições de feitiçaria, em grande parte necromântica, empenhadas em guerras magicas entre cidades-estado e entre famílias. É possível ver uma gradual mudança no cenário com a chegada do orfismo, pitagorismo e platonismo especialmente, que curiosamente alegam origem egípcia ou babilônica. O que praticavam era a Teurgia.

Creio que não preciso chover no molhado com vocês a respeito disso, mas observar magia como uma ciência técnica permite avaliar com muita clareza que a diferença entre as tradições de feitiçaria e de alta magia tem como diferença um avanço tecnológico e de cosmovisão. Essa diferença não tem relação apenas com a conduta ética ou não daqueles que empregam essas tecnologias psíquicas. Trata-se de reconhecer que, da mesma forma que a cirurgia cerebral feita por um médico romano oferece mais risco que aquela feita por um médico moderno independente da boa vontade de ambos, o uso das técnicas das tradições de feitiçaria tem malefícios que podem ser suprimidos pelo emprego de técnicas de alta magia.

O que me surpreende é que, dispondo de um centro cirúrgico equipado, alguém procure por alguém com um cerrote para abrir seu crânio. Ser um cirurgião dos tempos de Roma é mais fácil que um neurocirurgião moderno, qual você escolheria para te guiar rumo à cura? Magia já é uma ciência oculta perigosa. Torna-se devastadora se for separada de uma ascese ética, e pior ainda quando faz uso de tecnologia psíquica arcaica.


3 comentários:

  1. Obrigado pelo texto, achei muito esclarecedor =)

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  2. Era uma vez uma Vara, que foi retirada
    do Fogo da sarça ardente,
    na mão de Moisés ela foi ANIMAda
    na forma Sinuosa de Sagaz Serpente;
    Feiticeiros egípcios resistiam a Moisés,
    Sacerdote do Fogo Altíssimo,
    as serpentes dos iddhis morreram ao seus pés
    pois a Vara era Fogo VERÍSSIMO...

    GCO.

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  3. Muito bom o texto! Trouxe muitos esclarecimentos.

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