quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Sobre os Evangelhos Apócrifos de Nag Hammadi

MAYER, MARVIN. THE NAG HAMMADI SCRIPTURES: The International Edition. New York, Harper One, 2007, 844pp.

Resenha de: Aláya Dullius de Souza
(publicada na Revista Archai: as origens do pensamento ocidental)



Ao invés de fertilizante, camponês egípcio encontra jarro contendo uma das maiores descobertas do século XX, e o troca por cigarros e algumas frutas. Foi em 1945, nas encostas da região de Nag Hammadi, Alto Egito, que Muhammad Ali avistou um vaso contendo ao todo 13 códices de papiro, num total de 52 textos (mais de 1300 fólios), datando entre o ano 60 d.C. ao ano 350 d.C. aproximadamente. Esses textos, originalmente escritos em grego e traduzidos para o copta, foram salvos para a posteridade provavelmente por monges do mosteiro de São Pacômio, que os esconderam nas cavernas de Jabal al-Tarif quando em 367 d.C Athanasius de Alexandria ordenou que uma lista de textos que circulavam na época fossem destruídos. Infelizmente algumas das folhas de papiro não escaparam da destruição quando a mãe do camponês usou uma parte da recente descoberta para acender seu fogão à lenha.
Pode-se dizer que são alguns dos mais notáveis textos inéditos que vieram à tona no último século, jogando uma nova luz ao que foi o pensamento filosófico e religioso na antiguidade. Esses códices são uma fonte de material para o estudo do Cristianismo, do Neoplatonismo, do Hermetismo, dos Sethianos e Valentinianos.
O volume editado por Marvin Meyer no ano de 2007 é o resultado de um esforço conjunto de três equipes de estudiosos que no passado já haviam publicado versões da Biblioteca de Nag Hammadi em inglês, francês e alemão. Essas três equipes se reuniram por diversas vezes no Institute for Antiquity and Christianity, em Claremont, California, e tornaram possível essa nova tradução da descoberta. É por esse motivo que é chamada de “The International Edition”.
James M. Robinson representou a equipe do Coptic Gnostic Library Project do Institute for Antiquity and Christianity da Universidade de Claremont. Wolf-Peter Funk foi o representante da equipe da Berliner Arbeitskreis für koptisch-gnostische Schriften da Faculdade de Teologia de Humboldt, Alemanha. E Paul Hubert Poirier representou a equipe franco-canadense do Institut d’études Anciennes da Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas na Universidade de Laval, no Québec.
      
   As traduções já publicadas por esses três grupos separadamente foram consultadas para formar essa nova edição. Foi feito um estudo minucioso tornando essa edição internacional um resultado magnífico de uma nova fase nos estudos da Biblioteca de Nag Hammadi. Além disso, foram incluídos não só os textos presentes na descoberta de 1945, mas também o material do Códice de Berlim, descoberto anteriormente em 1896, contendo: Atos de Pedro, Evangelho de Maria, Apócrifo de João e Sabedoria de Jesus Cristo. Todos os quatro possuindo características que os ligam à maior descoberta. Também foram inclusos nessa nova edição o material do Códice Tchacos, descoberto mais recentemente em 1978. Nele se encontram o Evangelho de Judas, o Livro de Allogenes e duas cartas atribuídas a Pedro e Felipe.

         A introdução da obra foi redigida por Marvin Meyer e pela historiadora Elaine Pagels, ambos nomes bastante conhecidos para aqueles que estudam os gnósticos e a história do cristianismo. Uma das coisas que difere essa edição das anteriores é que a tradução foi feita de modo a apresentar um inglês mais inteligível, contemporâneo, permitindo assim uma melhor compreensão do texto. Não se trata de uma edição crítica do copta. São apresentadas traduções, e não equivalências léxicas. As equipes estavam mais preocupadas em comunicar o sentido em inglês ao invés de meramente reproduzir cada traço gramatical do texto copta. Nessa edição, diferente das anteriores, não é dada a numeração das linhas do manuscrito original, apenas suas páginas são referidas, pois, como já foi dito, não se trata de uma edição de manuscritos coptas, mas de uma publicação de textos em inglês devidamente antecedidos de ótimas introduções que os contextualizam.        
         Os vários textos de Nag Hammadi e dos Códices Tchacos e Berlim não formam um conteúdo homogêneo, há diferenças substanciais em relação aos pontos de vista filosóficos e teológicos. Isto torna as introduções individuais a cada um deles bastante úteis. Além disso, no fim da obra há quatro artigos que elucidam melhor a contextualização desse material.
         Marvin Meyer aborda, em seu artigo, o cristianismo de Tomé na Síria, que posteriormente vai influenciar a formação do Maniqueísmo. Dentre as obras ligadas à Escola de Tomé podemos citar o próprio Evangelho de Tomé, bem como o Livro de Tomé e Diálogos do Salvador.
         Já John D. Turner explica a questão dos Sethianos. Alguns dos textos ligados a essa Escola de Pensamento, como o Apócrifo de João (Livro Secreto de João), Natureza dos Arcontes, Evangelho dos Egípcios, Três Estelas de Seth, Pensamento de Norea, Zostrianos, Allogenes e outros, apresentam uma linguagem bastante próxima da platônica e refletem um pouco da filosofia neoplatônica. Um fato curioso é que o primeiro tratado do códice VI de Nag Hammadi é um trecho da República de Platão. Outro fato digno de nota é que Porfírio atesta que versões de Zostrianos e Allogenes circulavam entre os membros da Escola de Plotino em Roma, entre 240-265 d.C. Algumas das críticas de Plotino a certas características do pensamento gnóstico se referem justamente ao Zostrianos, que é citado na Enéada II. Contudo, não se pode negar que Zostrianos se utiliza de uma teologia negativa que parece se originar de um comentário médio-platônico sobre o Parmênides de Platão, que também pode ter influenciado as idéias presentes em Allogenes e no Apócrifo de João. Além do mais, há características do tratado Marsanes que o possa ligar ao ensinamento neoplatônico de Jâmblico e Theodoro de Asine no fim do terceiro século.  
         O terceiro artigo, escrito por Einar Thomassen, aborda a Escola de Valentino, fundada em torno de 140 d.C. e atacada por Irineu de Lyon em seu Contra as Heresias e também por Hipólito. Alguns dos textos que se destacam são: Evangelho da Verdade, Tratado Tripartite, Evangelho de Felipe, Tratado da Ressurreição e outros. A Escola Valentiniana pressupõe a ontologia da filosofia grega, em particular as teorias monísticas dos neopitagóricos, de que tudo deriva de um primeiro e único princípio. Assim como os neoplatônicos, os valentinianos tentam reconciliar a unidade e a pluralidade através de uma teoria de emanação e restauração. Valentino foi bastante influente em sua época, e Tertuliano, outro conhecido padre da Igreja Romana em formação, chegou a comentar que Valentino era um candidato ao posto de Bispo de Roma.
         Por fim há o artigo de Jean-Pierre Mahé que trata de como há fortes elementos do Hermetismo Egípcio em alguns dos textos da Biblioteca de Nag Hammadi. Segundo ele, a Prece de Ação de Graças, o Discurso sobre a Oitava e a Nona e o Asclepius se aproximam do conteúdo do Corpus Hermeticum.
         Apesar de haver uma quantidade significativa de heterogeneidade no material publicado na The Nag Hammadi Scriptures podemos destacar alguns temas freqüentes, como por exemplo a questão do Uno, da Mônada, do Pleroma, o que são os vícios, mitos sobre a origem do mundo, como a alma cai na matéria, os vários níveis de manifestação, o que ocorre com a alma após a morte, regras de conduta, os mistérios, etc. Obviamente também há bastante  material relacionado a Jesus e ao cristianismo em si.
         É certo de que por mais de dois séculos esses manuscritos circularam livremente pelas regiões do Egito, Oriente Médio, Magna Grécia e Roma (e há relatos de que algumas cópias tenham chegado até mesmo à Gália). Tendo isto em conta não podemos ignorar a relevância histórica deles na formação do pensamento na antiguidade.

         Essa nova edição viabilizada por Marvin Meyer nos convida a reconsiderar nossa herança religiosa e cultural e traz mais informação sobre o que foi o pensamento nos primeiros séculos da era cristã. Apesar da publicação dessa descoberta ter sido atrasada por uma série de empecilhos, hoje, mais de dezesseis séculos depois, podemos ter acesso a esse material e tirarmos nossas próprias conclusões acerca de seus temas. Ainda que alguns desses textos estejam envoltos em roupagem religiosa, muitos deles apresentam temas bastante pertinentes ao estudo da filosofia. 

5 comentários:

  1. Achei muito interessante o artigos, eu pesquiso há anos sobre isso e acredito que o cristianismo é uma invenção (judaísmo+helenismo) motivados por fim políticos... Acredito que muita coisa foi aproveitados dos escritos de Fílon de Alexandria como base para se iniciar a base do cristianismo.

    Obs: Queria saber a possibilidade de se desenvolver um artigo seu se referindo a esse celebre judeu Fílon de Alexandria... Pax!

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  2. Eu acredito no DEUS criador dos céus e a terra.

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  3. Muito bem. Rentar achar essa revista Archai e este livro.

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  4. É muito interessante estudar as heresias do cristianismo, o gnosticismo sem dúvida é a maior delas, foi combatida já pelos apóstolos e pelos pais da igreja

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