MAYER, MARVIN. THE NAG HAMMADI SCRIPTURES: The
International Edition. New York, Harper One, 2007, 844pp.
Resenha
de: Aláya Dullius de Souza
(publicada na Revista Archai: as origens do pensamento ocidental)
Ao invés de
fertilizante, camponês egípcio encontra jarro contendo uma das maiores
descobertas do século XX, e o troca por cigarros e algumas frutas. Foi em 1945,
nas encostas da região de Nag Hammadi, Alto Egito, que Muhammad Ali avistou um
vaso contendo ao todo 13 códices de papiro, num total de 52 textos (mais de
1300 fólios), datando entre o ano 60 d.C. ao ano 350 d.C. aproximadamente. Esses
textos, originalmente escritos em grego e traduzidos para o copta, foram salvos
para a posteridade provavelmente por monges do mosteiro de São Pacômio, que os
esconderam nas cavernas de Jabal al-Tarif quando em 367 d.C Athanasius de
Alexandria ordenou que uma lista de textos que circulavam na época fossem
destruídos. Infelizmente algumas das folhas de papiro não escaparam da
destruição quando a mãe do camponês usou uma parte da recente descoberta para
acender seu fogão à lenha.
Pode-se dizer que são
alguns dos mais notáveis textos inéditos que vieram à tona no último século,
jogando uma nova
luz ao que foi o pensamento filosófico e religioso na antiguidade. Esses
códices são uma fonte de material para o estudo do Cristianismo, do
Neoplatonismo, do Hermetismo, dos Sethianos e Valentinianos.
O volume editado por Marvin Meyer
no ano de 2007 é o resultado de um esforço conjunto de três equipes de
estudiosos que no passado já haviam publicado versões da Biblioteca de Nag
Hammadi em inglês, francês e alemão. Essas três equipes se reuniram por
diversas vezes no Institute for Antiquity
and Christianity, em Claremont, California, e tornaram possível essa nova
tradução da descoberta. É por esse motivo que é chamada de “The International Edition”.
James M. Robinson representou a
equipe do Coptic Gnostic Library Project
do Institute for Antiquity and
Christianity da Universidade de Claremont. Wolf-Peter Funk foi o
representante da equipe da Berliner
Arbeitskreis für koptisch-gnostische Schriften da Faculdade de Teologia de
Humboldt, Alemanha. E Paul Hubert Poirier representou a equipe franco-canadense
do Institut d’études Anciennes da
Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas na Universidade de Laval, no
Québec.
A introdução da obra foi redigida por Marvin Meyer e pela
historiadora Elaine Pagels, ambos nomes bastante conhecidos para aqueles que
estudam os gnósticos e a história do cristianismo. Uma das coisas que difere
essa edição das anteriores é que a tradução foi feita de modo a apresentar um
inglês mais inteligível, contemporâneo, permitindo assim uma melhor compreensão
do texto. Não se trata de uma edição crítica do copta. São apresentadas
traduções, e não equivalências léxicas. As equipes estavam mais preocupadas em
comunicar o sentido em inglês ao invés de meramente reproduzir cada traço
gramatical do texto copta. Nessa edição, diferente das anteriores, não é dada a
numeração das linhas do manuscrito original, apenas suas páginas são referidas,
pois, como já foi dito, não se trata de uma edição de manuscritos coptas, mas
de uma publicação de textos em inglês devidamente antecedidos de ótimas
introduções que os contextualizam.
Os vários textos de Nag Hammadi e dos Códices Tchacos e
Berlim não formam um conteúdo homogêneo, há diferenças substanciais em relação
aos pontos de vista filosóficos e teológicos. Isto torna as introduções
individuais a cada um deles bastante úteis. Além disso, no fim da obra há
quatro artigos que elucidam melhor a contextualização desse material.
Marvin Meyer aborda, em seu artigo, o cristianismo de Tomé
na Síria, que posteriormente vai influenciar a formação do Maniqueísmo. Dentre
as obras ligadas à Escola de Tomé podemos citar o próprio Evangelho de Tomé, bem como o Livro
de Tomé e Diálogos do Salvador.
Já John D. Turner explica a questão dos Sethianos. Alguns
dos textos ligados a essa Escola de Pensamento, como o Apócrifo de João (Livro Secreto de João), Natureza dos Arcontes, Evangelho
dos Egípcios, Três Estelas de Seth,
Pensamento de Norea, Zostrianos, Allogenes e outros, apresentam uma linguagem bastante próxima da
platônica e refletem um pouco da filosofia neoplatônica. Um fato curioso é que
o primeiro tratado do códice VI de Nag Hammadi é um trecho da República de Platão. Outro fato digno de
nota é que Porfírio atesta que versões de Zostrianos
e Allogenes circulavam entre os
membros da Escola de Plotino em Roma, entre 240-265 d.C. Algumas das críticas
de Plotino a certas características do pensamento gnóstico se referem
justamente ao Zostrianos, que é
citado na Enéada II. Contudo, não se pode negar que Zostrianos se utiliza de uma teologia negativa que parece se
originar de um comentário médio-platônico sobre o Parmênides de Platão, que também pode ter influenciado as idéias
presentes em Allogenes e no Apócrifo de João. Além do mais, há
características do tratado Marsanes
que o possa ligar ao ensinamento neoplatônico de Jâmblico e Theodoro de Asine
no fim do terceiro século.
O terceiro artigo, escrito por Einar Thomassen, aborda a
Escola de Valentino, fundada em torno de 140 d.C. e atacada por Irineu de Lyon
em seu Contra as Heresias e também
por Hipólito. Alguns dos textos que se destacam são: Evangelho da Verdade, Tratado
Tripartite, Evangelho de Felipe, Tratado da Ressurreição e outros. A
Escola Valentiniana pressupõe a ontologia da filosofia grega, em particular as
teorias monísticas dos neopitagóricos, de que tudo deriva de um primeiro e
único princípio. Assim como os neoplatônicos, os valentinianos tentam reconciliar
a unidade e a pluralidade através de uma teoria de emanação e restauração.
Valentino foi bastante influente em sua época, e Tertuliano, outro conhecido padre
da Igreja Romana em formação, chegou a comentar que Valentino era um candidato
ao posto de Bispo de Roma.
Por fim há o artigo de Jean-Pierre Mahé que trata de como há
fortes elementos do Hermetismo Egípcio em alguns dos textos da Biblioteca de
Nag Hammadi. Segundo ele, a Prece de Ação
de Graças, o Discurso sobre a Oitava
e a Nona e o Asclepius se
aproximam do conteúdo do Corpus
Hermeticum.
Apesar de haver uma quantidade significativa de heterogeneidade
no material publicado na The Nag Hammadi
Scriptures podemos destacar alguns temas freqüentes, como por exemplo a
questão do Uno, da Mônada, do Pleroma, o que são os vícios, mitos sobre a
origem do mundo, como a alma cai na matéria, os vários níveis de manifestação,
o que ocorre com a alma após a morte, regras de conduta, os mistérios, etc.
Obviamente também há bastante material
relacionado a Jesus e ao cristianismo em si.
É certo de que por mais de dois séculos esses manuscritos
circularam livremente pelas regiões do Egito, Oriente Médio, Magna Grécia e
Roma (e há relatos de que algumas cópias tenham chegado até mesmo à Gália).
Tendo isto em conta não podemos ignorar a relevância histórica deles na
formação do pensamento na antiguidade.
Essa nova edição viabilizada por Marvin Meyer nos convida a
reconsiderar nossa herança religiosa e cultural e traz mais informação sobre o
que foi o pensamento nos primeiros séculos da era cristã. Apesar da publicação
dessa descoberta ter sido atrasada por uma série de empecilhos, hoje, mais de
dezesseis séculos depois, podemos ter acesso a esse material e tirarmos nossas
próprias conclusões acerca de seus temas. Ainda que alguns desses textos
estejam envoltos em roupagem religiosa, muitos deles apresentam temas bastante
pertinentes ao estudo da filosofia.
Achei muito interessante o artigos, eu pesquiso há anos sobre isso e acredito que o cristianismo é uma invenção (judaísmo+helenismo) motivados por fim políticos... Acredito que muita coisa foi aproveitados dos escritos de Fílon de Alexandria como base para se iniciar a base do cristianismo.
ResponderExcluirObs: Queria saber a possibilidade de se desenvolver um artigo seu se referindo a esse celebre judeu Fílon de Alexandria... Pax!
Eu acredito no DEUS criador dos céus e a terra.
ResponderExcluirMuito bem. Rentar achar essa revista Archai e este livro.
ResponderExcluirParabéns alaya👏🏼
ResponderExcluirÉ muito interessante estudar as heresias do cristianismo, o gnosticismo sem dúvida é a maior delas, foi combatida já pelos apóstolos e pelos pais da igreja
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