Ética – a luz da consciência.
Aláya Dullius
2010
A palavra ética foi usada pela
primeira vez, dando o sentido que hoje a deveríamos ter, pelo filósofo
pré-socrático Heráclito em sua célebre sentença grega “ethos antrophos daimon”, significando a luz que habita no homem.
Ética em uma tradução livre, seria justamente isto, a luz da consciência que
habita no homem. Posteriormente temos a introdução do termo latino “moralis”,
que indica costumes, regras, modo de vida.
Sendo assim, é possível perceber que a
moral, referindo-se a regras de conduta, está subordinada a seu período no
tempo e na história, delimitada por culturas. Porém, a ética, sendo a própria
consciência humana, traz em si um caráter mais universalista, pois a
humanidade, sendo uma só, não poderia trazer intrinsecamente consigo ‘éticas’
diferentes. Dessa forma podemos entender que é possível alguém ser imoral e
ético ao mesmo tempo, o mesmo se dá com o oposto. É possível ser moral, e
anti-ético.
Nossos valores foram passados por
nossos pais, somos também fruto da sociedade em que vivemos, da educação e
influências que recebemos. Um vegetariano por exemplo considera anti-ético
alimentar-se de outros animais, seja por que entende que a vida destes não lhe
pertence, seja porque não concorda com o modo extremamente brutal e violento
com que estes são abatidos industrialmente em larga escala, sem o menor
respeito por suas vidas e consideração por seu sofrimento desnecessário. Para
essa pessoa, abster-se de um hábito considerado moralmente aceitável em sua
sociedade, é uma questão de ética pessoal.
Em culturas de certos países, é
moralmente aceitável que um marido traído, por questão de honra, condene sua
mulher à morte. Mas será ético matar alguém, ou punir gravemente alguém, por
uma questão que diz respeito à relações pessoais e ao orgulho? Os pais baterem
em seus filhos com o propósito de educação também é ainda considerado por
muitos como algo correto, contudo, os estudos psicológicos demonstram que a
punição física não só machuca como humilha a criança, podendo ser causa de
problemas psicológicos e inseguranças, e portanto, não é uma atitude
ética, visto que temos a inteligência e a capacidade de elaborarmos
alternativas mais contundentes e amorosas; sem contar que é uma tremenda covardia
agredir alguém mais fraco e incapaz de se defender e que precisa de ajuda para aprender a lidar com suas emoções.
A mutilação genital de meninas africanas não é vista com horror pela maioria dos membros da cultura onde esta prática está inserida, mas para nós provavelmente seria tratada como crime de tortura. Dois séculos atrás, ser dono de seres humanos, feri-los, explorá-los e humilha-los não era visto como absurdo em nosso mundo. O simples fato de termos uma cor de pele diferente nos colocava moralmente numa situação em que ser anti-ético com outro ser humano era visto como normal. Em um futuro próximo o ato de comer animais ou praticar pesca desportiva por exemplo poderá ser visto como uma brutalidade grotesca e desnecessária, assim como é vista a escravidão nos dias de hoje (apesar do racismo estrutural que infelizmente permanece..)!
A mutilação genital de meninas africanas não é vista com horror pela maioria dos membros da cultura onde esta prática está inserida, mas para nós provavelmente seria tratada como crime de tortura. Dois séculos atrás, ser dono de seres humanos, feri-los, explorá-los e humilha-los não era visto como absurdo em nosso mundo. O simples fato de termos uma cor de pele diferente nos colocava moralmente numa situação em que ser anti-ético com outro ser humano era visto como normal. Em um futuro próximo o ato de comer animais ou praticar pesca desportiva por exemplo poderá ser visto como uma brutalidade grotesca e desnecessária, assim como é vista a escravidão nos dias de hoje (apesar do racismo estrutural que infelizmente permanece..)!
Percebemos então que a moral está
vinculada diretamente à regras que regem o convívio na sociedade, dentro de
suas determinadas culturas e épocas, e é, portanto, relativa. Já a ética evoca
um sentido mais abrangente, que diz respeito principalmente ao respeito à Vida,
com V maiúsculo. Ao que alguns filósofos chamam de Vida Una. Na filosofia antiga, como por exemplo entre os
neoplatônicos, há a ideia de que antes da manifestação do cosmos, isto é, do
mundo ordenado, havia uma grande Unidade. Sendo Una, era indiferenciada, e
continha em si todas as possibilidades. Nós seriamos centelhas dessa “Alma do
Mundo” e a ela deveríamos buscar retornar. Compreender isso geraria nas
pessoas, idealmente, uma ideia de fraternidade, de origem comum.
Talvez seja essa fraternidade que
esteja sendo estimulada nas célebres sentenças cristãs “amai ao próximo como a
ti mesmo” e “não fazei ao outro o que não gostaria que fizessem contigo”. Ora,
isso não é uma regra moral, é ver a si mesmo no outro, perceber que estamos
unidos, e portanto, somos indiferenciados. Ao fazer o outro sofrer estaríamos
causando dor a nós mesmos. Na tradição budista há uma ideia fundamental sobre a
interdependência, sobre essa rede que nos conecta, tornando o individualismo
egoísta sem sentido.
A ética, estando no âmbito da
consciência, pode ser despertada através não só de uma compaixão natural, mas
de uma sabedoria que percebe essa interdependência e respeita a vida no outro
pois reconhece no outro o divino que há em si também. Este é o sentido de
‘namastê’, o reconhecer a si no outro. E sendo este reconhecimento sincero, a
ética surge como uma atitude natural do ser humano, que vai procurar buscar
sempre agir em direção ao Bem (como diria Platão), não por que uma regra assim
lhe ordena, mas por que é a única atitude que faria sentido. Dessa forma, a
pessoa que desperta a luz em sua consciência, passa a se colocar como parte de
um todo, um agente ativo e empático no mundo. E suas ações não se limitarão à
condutas sociais, pois esse respeito à vida abarca todas as formas de vida.
Essa empatia é essencial no trato com
aqueles que sofrem. Quando nos colocamos como mediadores de cura devemos seguir
algumas condutas morais, mas mantendo sempre um embasamento em um sentido
ético, de respeito ao ser que busca nosso auxílio. Dentre as condutas mais
citadas está o sigilo quanto às informações confidenciadas pelo paciente e uma
postura de respeito tanto à condição física quanto psicológica daquela pessoa.
Se colocar como um instrumento de cura, ou que auxilia a auto-cura de alguém, é
como tentar ser uma vela que ilumina um caminho, já que não podemos ser o sol,
e permitir que a pessoa ande por este caminho e possa ela também, por sua vez,
iluminar os outros.
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