OM MANI PADME HUM
Capítulo 8 do sutra Lankavatara.
Capítulo
8 – Dharani
Naquela época, Mahamati, o Bodhisattva-Mahasattva pediu ao abençoado por
mais explicação: Fale-me Abençoado, Tathagata, Iluminado, sobre o mérito e
vício relativo à questão de comer carne; para que deste modo eu e outros
bodhisattvas do presente e do futuro possamos ensinar o Dharma a fim de fazer
com que os seres abandonem seu ávido apego por carne, seres que sob a
influência da energia do hábito relativo às existências carnívoras anseiam
intensamente por comidas de carne. Esses comedores de carne, ao abandonarem
esse desejo, irão buscar o Dharma e considerar todos os seres com amor, como se
fossem seus filhos, e terão grande júbilo e compaixão pelos seres.
Desenvolvendo compaixão eles irão colocar a si mesmos, com disciplina, nos
estágios para a senda dos bodhisattvas e se tornarão despertos em grande
iluminação. Abençoado, mesmo aqueles filósofos que mantém ideias errôneas e
estão apegados às visões do Lokayata tais como o dualismo da existência e
não-existência, o niilismo e o idealismo, mesmo eles irão proibir o consumo de
carne e irão eles mesmos pararem de consumir. Ó Grande Instrutor, aquele que
promove a misericórdia é um ser iluminado; não há nada de ruim em impedir o
consumo de carne, não só para si mesmo, mas para os outros também. Sim, deixe
que O Abençoado, cujo coração está preenchido com amor pelo mundo todo, que
considera todos os seres como seus filhos e que possui grande compaixão em
conformidade com seus sentimentos bondosos, ensine-nos sobre o mérito e vício
relativo ao consumo de carne, de modo que eu e outros bodhisttavas possamos
ensinar o Dharma. O Iluminado respondeu: “Escute então, Mahamati, e reflita
bem; Eu lhe direi.” “Certamente, ó Iluminado.” Respondeu Mahamati, o
Bodhisattva- Mahasattva. E pôs-se a ouvir.
O Iluminado disse então a ele: Por inúmeras razões, Mahamati, o
Bodhisattva, cuja natureza é compaixão, não deve comer nenhuma carne;
Explicarei: Mahamati, nessa longa jornada de renascimentos, não há um ser que,
tendo assumido a forma de um ser vivo, não tenha sido sua mãe, pai, irmão,
irmã, filho ou filha, ou outro dos laços que unem; ao renascer poderão adquirir
a forma de animais, selvagens ou domésticos; assim sendo, como pode um
Bodhisattva-Mahasattva, que tenciona aproximar-se de todos os seres como se
fossem ele mesmo e praticar as verdades ensinadas pelo Buda, comer a carne de
seres vivos que possuem a mesma natureza que ele mesmo? Mahamati, mesmo o
Rakshasa que ouve os discursos do Tathagata sobre a elevada essência do Dharma
alcança a percepção da necessidade de proteger o Dharma e ter compaixão; até
mesmo ele evita o consumo de carne. Então Mahamati, onde quer que haja evolução
de seres vivos, que as pessoas divulguem com alegria o sentimento de
equanimidade, e pensem que todos os seres vivos devem ser amados como filhos
únicos, que todos deixem de comer carne! A carne de um cachorro, jumento,
búfalo, cavalo, homem ou qualquer outro ser, não é para ser comida. O
Bodhisattva, portanto, não deve comer carne.
Pelo amor à pureza, Mahamati, o Bodhisattva deve evitar a carne, que nasce
através de sêmen e sangue, etc. Por receio de causar sofrimento a outros seres,
Mahamati, o Bodhisattva, que se dedica a atingir elevada compaixão, não deve
comer carne. Para ilustrar: quando um cão vê à distância um caçador, cujo desejo
é comer carne, ele se apavora e pensa “eles são assassinos, irão me matar”. Da
mesma maneira, Mahamati, até mesmo os animais que vivem nos céus, na terra e na
água, ao verem comedores de carne à distância, perceberão nos caçadores, por
seu aguçado olfato, o desejo por carne, e fugirão de tais pessoas o mais rápido
que puderem; pois tais pessoas são para os animais a ameaça de morte. Por esta
razão, Mahamati, que o Bodhisattva que se dedica ao caminho da iluminação, que
busca ater-se à grande compaixão, deixa de comer carne, para não aterrorizar os
seres vivos. Mahamati, a carne, morta por pessoas sem sabedoria, está cheia de
um odor fétido e consumi-la traz má reputação, o que faz com que pessoas sábias
se afastem; O Bodhisattva não come carne. A comida dos sábios, Mahamati, é a
mesma dos Rishis. Não consiste de carne e sangue. Portanto, Mahamati, o
Bodhisattva não come carne.
A fim de proteger a mente de todas as pessoas, o Bodhisattva, cuja
natureza é pura e santa e que não deseja que o ensinamento do Buda seja
distorcido, abstém-se de carne. Pois, Mahamati, há pessoas que falam mal do
ensinamento do Buda, elas dizem: “Porque aqueles que dizem estar vivendo a vida
de um Sramana ou um Brâmane rejeitam a comida consumida pelos Rishis e, como
animais carnívoros vagam pelo mundo aterrorizando as criaturas, ignorando a
vida que deve ser levada pelo Sramana e destruindo os votos do Brâmane? Não há
nenhum Dharma em suas mentes, nenhuma disciplina.” Há muitas pessoas que por
essa causa tornam-se mentalmente desfavoráveis aos ensinamentos do Buda. Por
esta razão, Mahamati, a fim de proteger a mente das pessoas, o Bodhisattva,
cuja natureza é cheia de misericórdia e que deseja evitar que o ensinamento do
Buda seja distorcido, abstém-se de carne.
Mahamati, o odor fétido emitido por um cadáver é ofensivo. Que o
Bodhisattva abstenha-se de carne. Quando carne é queimada, seja de um homem
morto ou de outra criatura, não há distinção entre o odor. Qualquer tipo de
carne, quando queimada, emite um odor igualmente nocivo. Portanto, Mahamati,
que o Bodhisattva, que deseja a pureza em sua prática, abstenha-se totalmente
do consumo de carne.
Mahamati, quando filhas da boa linhagem, desejando exercitarem-se em
várias disciplinas, tais como o desenvolvimento de um coração compassivo, o
domínio de fórmulas mágicas, ou o conhecimento mágico perfeito, ou, ao
engajarem-se em uma peregrinação pela senda Mahayana, retiram-se para lugares
isolados, demônios se aproximarão delas se ainda comerem carne. Se, sentadas em
poltronas ou assentos dedicados à prática, serão impedidas de desenvolver
siddhis ou alcançar a libertação por causa do consumo de carne.
Até mesmo a visão de formas objetivas faz com que surja o desejo de provar
seu sabor, que o Bodhisttava, cheio de piedade e considerando todos os seres
como seus filhos, abstenha-se de carne completamente. Reconhecendo que sua boca
tem cheiro extremamente fétido, mesmo estando vivo, o Bodhisattva, cuja
natureza é piedade, abstém-se totalmente de comer carne.
O comedor de carne dorme mal e acorda perturbado. Ele sonha com
acontecimentos terríveis. Ele vive sozinho em uma cabana vazia; seu espírito é
perseguido por demônios. Freqüentemente ele é abatido pelo medo, ele treme, sem
saber o porquê. Não há regularidade em sua dieta e ele nunca está satisfeito.
Em seu comer, ele nunca sabe o que é o gosto próprio dos alimentos, a digestão
e a nutrição. Suas vísceras estão entupidas com vermes e outras criaturas
impuras por causa da carne. Ele já não se sente tão avesso a doenças. Se eu
ensino que consideremos a comida com se estivéssemos comendo nossos próprios
filhos ou tomando drogas, como poderia eu permitir que meus discípulos,
Mahamati, alimentassem-se de carne e sangue, que são gratificantes aos tolos
mas abomináveis aos sábios, que trazem muito mal e afastam muitos méritos; que
não são oferecidas aos Rishis e são inadequadas?
Agora, Mahamati, a comida que eu permito que meus discípulos consumam
agrada aos sábios e é evitada pelos ignorantes; mantém a maldade afastada e é
prescrita pelos antigos Rishis. Consiste de arroz, cevada, trigo, feijões,
lentilha, óleos, mel, melado, frutas, etc.; comida preparada com estes
ingredientes é a boa comida. Mahamati, pode haver pessoas irracionais no futuro
que irão discriminar e estabelecer novas regras de disciplina ética e que, sob
a influência da energia de hábito pertencente às raças carnívoras, irão
avidamente desejar o gosto da carne: não é para tais pessoas que a alimentação
acima foi sugerida. Mahamati, esta é a comida que eu indico para os
Bodhisattvas-Mahasattvas, que se dedicaram aos Budas, que germinaram sementes
de bondade e têm confiança. Aqueles que são todos da família do Sakyamuni,
filhos e filhas de boas famílias, que não têm apego ao corpo, à vida, às
propriedades, que não cobiçam prazeres, não são gananciosos, que, sendo
compassivos, desejam abarcar a todos os seres vivos e consideram a todos como
eles mesmos, que têm afeto pelos seres como se fossem seus filhos.
[...] ... [...]
Há muitos males em comer carne Mahamati, numerosos vícios são gerados nas
mentes pervertidas daqueles que estão engajados no consumo de carne. Os
ignorantes e de mente fraca não estão cientes de tudo isso, e dos deméritos
ligados ao consumo de carne. Saiba, Mahamati, que conhecendo isto, o Bodhisattva,
cuja natureza é piedade, abstém-se de carne.
Mahamati, se a carne não é consumida por ninguém por razão alguma, então
não haverá mais destruição da vida. Na maioria dos casos o extermínio de seres
inocentes é feito por motivos de orgulho e raramente por outras causas. Nada de
bom pode ser dito sobre comer a carne de seres sencientes, e alguém contaminado
pelo ávido desejo de carne pode chegar ao ponto de comer carne humana!
Mahamati, na maioria dos casos, armadilhas e outros dispositivos são colocadas
em vários locais por pessoas que perderam a noção de seu apego pelo gosto da
carne, e, assim, muitas vítimas inocentes são destruídas por causa do valor
atribuído a elas. Há até mesmo aqueles, Mahamati, que são como Rakshasas de
coração duro, e que costumam praticar crueldades. Aqueles que, sendo
completamente sem compaixão, pensarão nos seres vivos como sendo destinados ao
consumo e destruição – nenhuma compaixão surgirá nesses.
Não é verdade que a carne é comida aceitável e permissível para o Sravaka quando
a vítima não foi morta por este, quando este não pediu a outros que a matassem
e quando não era especialmente destinada a ele. Novamente, Mahamati, haverá
pessoas inconseqüentes no futuro que se engajando no caminho ensinadas por mim
e conhecidas como filhos de Sakya, pessoas que vestirão o manto Kashaya como um
emblema, mas que serão em pensamento terrivelmente afetadas pelo klesha das
noções errôneas. Eles falarão sobre suas várias práticas de disciplina,
apegados à visão de uma alma pessoal. Sob a influência do desejo pelo sabor da
carne criarão argumentos sofistas para defender o consumo de carne. Pensarão
que estarão permitindo que eu seja caluniado quando falam de fatos possíveis de
interpretar de várias formas. Imaginando que este fato em particular seja
possível interpretar, eles concluirão que o Iluminado permite o consumo de
carne, e que esta é mencionada entre os alimentos permitidos e que
provavelmente o próprio Tathagata o consumiu. Mas, Mahamati, em lugar algum nos
sutras o consumo de carne é permitido, nem referido como sendo próprio entre os
alimentos sugeridos aos seguidores do Buda.
Se eu tivesse, Mahamati, uma mente que permitisse o consumo de carne, se
eu dissesse que ela é própria para os Sravakas, eu não teria proibido o consumo
de carne para estes iogues, filhos e filhas da boa linhagem. Desejando
compartilhar a idéia de que todos os seres vivos são para eles como um filho
único, esses iogues são compassivos, praticam a contemplação e uma vida
ascética, eles seguem o caminho do Mahayana. Mahamati, este ensinamento de que
não se deve comer carne é aqui dado a todos os filhos e filhas da boa linhagem,
sejam eles ascetas das florestas ou iogues que praticam os exercícios, se eles
desejam o Dharma e estão trilhando o caminho. Possuindo compaixão, consideram
todos os seres como filhos, assim atingem a meta de sua disciplina.
Nos textos canônicos o processo de disciplina é desenvolvido em seqüência
ordenada, como uma escada em que se sobe passo a passo, degrau por degrau, cada
um unido ao outro de maneira regular e metódica. Há uma proibição quanto à
carne encontrada em animais já mortos. No presente sutra qualquer forma de
consumo de carne, de qualquer maneira e em qualquer lugar, é incondicionalmente
e uma vez por todas, proibida a todos. Assim, Mahamati, eu não permito que
ninguém coma carne, nem permitirei. Alimentar-se de carne, Mahamati, é
impróprio para monges. Poderá haver alguns, Mahamati, que dirão que o Tathagata
consumiu carne, eles o farão achando que isso irá caluniá-lo. Pessoas
ignorantes como essas serão amaldiçoadas por seu próprio carma impeditivo, e
cairão nas regiões onde longas noites se passam sem ganho nem alegria.
Mahamati, os nobres Sravakas não consomem a comida das pessoas comuns, muito
menos a comida que vem da carne e do sangue, que é de todo imprópria. Mahamati,
o alimento próprio para meus Sravakas, Pratyekabuddhas e Bodhisattvas é o
Dharma, e não a carne. O Tathagata é o Dharmakaya, Mahamati; ele se atém ao
Dharma como alimento; seu corpo não é um corpo que se alimentou de carne; ele
não suporta nenhum alimento cárneo. Ele já se expurgou da energia-hábito de
sede e desejo que mantém preso à existência; ele mantém a má energia-hábito das
paixões afastada; ele é totalmente emancipado em mente e sabedoria; ele é aquele
que tudo sabe, que tudo vê; ele considera a todos os seres com imparcialidade e
como seus filhos; ele é um grande coração compassivo. Mahamati, considerando
que todos os seres são como um filho único, como posso eu permitir que os
Sravakas comam a carne de seus próprios filhos? Muito menos eu o faria! Afirmar
que eu permiti que os Sravakas, assim como eu mesmo, tomassem parte no hábito
de comer carne, Mahamati, é algo totalmente sem fundamento.
É dito:
1. Licor, carne e cebola devem ser evitados pelos Bodhisattvas-Mahasattvas
e por aqueles que são heróis da vitória.
2. A carne não agrada aos sábios: possui um odor fétido e nauseante, causa
má reputação, é comida para os carnívoros; Digo-lhe Mahamati, não deve ser
consumida.
3. Àqueles que consomem carne há efeitos ruins, àqueles que não a
consomem, méritos; Mahamati, você deve saber que os comedores de carne trazem
para si mau carma.
4. Que o iogue deixe de comer carne, já que a carne também cresce nele e o
ato de comê-la é uma transgressão, já que a carne é produzida por sêmen e
sangue e o ato de matar os animais aterroriza os seres.
5. Que o iogue sempre deixe de comer carne, cebola e os vários tipos de
licor e alho.
6. Não unte seu corpo com olho de gergelim; não durma em uma cama cheia de
espinhos; os seres que vivem em cavidades e fora delas ficarão terrivelmente
assustados.
7. Do comer carne surge arrogância, da arrogância surge uma noção errônea,
e dela a ganância; por esta razão deixe de comer carne.
8. Da imaginação surge a ganância, e com a ganância a mente fica
estupefata; surge apego à estupefação e assim não há libertação do nascimento e
morte.
9. Por causa de lucro seres sencientes são destruídos, pela carne é dado
dinheiro, isto é uma ação errônea e a ação irá maturar nos infernos.
10. Aquele que come carne, ignorando as palavras do Muni, tem uma mente
maldosa; ele é apontado nos ensinamentos do Sakya como o destruidor do
bem-estar dos dois mundos.
11. Esses causadores de mal irão para os mais terríveis infernos;
comedores de carne serão jogados em horríveis infernos, tais como o Raurava,
etc..
12. Não há carne que possa ser considerada pura, seja ela não premeditada,
não pedida e não impelida. Portanto, deixe de comer carne.
13. Que o iogue não coma carne, é proibido por mim assim como pelos Budas;
Seres que se alimentam uns dos outros renascerão entre os animais carnívoros.
14. Aquele que come carne cheira mal, é desdenhoso e privado de
inteligência; ele nascerá novamente e novamente nas famílias de Candala,
Pukkasa e Domba.
15. O consumo de carne é rejeitado por mim em sutras como o Hastikakshya,
o Mahamegha, o Nirvana, o Anglimalika e este, o Lankavatara.
16. O consumo de carne é condenado pelos Budas, Bodhisattvas e Sravakas;
se alguém devora a carne sem sentir-se envergonhado, para sempre esta pessoa
será insensata.
17. Aquele que evita a carne, etc., nascerá, por causa disso, na família
dos Brâmanes, dos Iogues, dotado com conhecimento e bem-estar.
18. Que a pessoa evite todo tipo de consumo de carne, ignorando o que
outros possam dizer; esses teóricos que nasceram em famílias carnívoras não
entendem nada.
19. Assim como a ganância é um impedimento para a libertação; da mesma
forma, consumir carne, licor, etc., também são impedimentos.
20. Poderá haver uma época em que as pessoas passem a fazer tolas
afirmações sobre o consumo de carne, dizendo: “A carne é própria para se comer
e permitida pelo Buda”.
21. “Comer carne é uma medicina”; novamente, lembre que é a carne de uma
criança; siga as medidas corretas e seja avesso à carne.
22. O consumo de carne é proibido por mim em todo lugar e em todos os
tempos para aqueles que estão procurando desenvolver a compaixão; aquele que
come carne renascerá como um leão, tigre, lobo, etc.
23. Portanto, não coma carne, tal ato causara terror entre as pessoas,
pois impede que surja a verdade da libertação; Deixar de comer carne – este é o
ensinamento dos Sábios.
Aqui termina o oitavo capítulo, “Sobre o consumo de carne”, do Sutra
Lankavatara, a essência do ensinamento de todos os Budas.
Tradução Aláya Dullius de Souza
Nenhum comentário:
Postar um comentário